No centenário da morte de Karl Marx, ocorreram no mundo vários manifestações de reverência por sua contribuição às ciências sociais, particularmente por suas descobertas sobre o papel das contradições no sistema capitalista. O Wall Street Journal, ligado à comunidade financeira, publicou, em 1983, extensa reportagem sobre o autor de O Capital, confirmando a importância de suas investigações para a compreensão da economia e do papel do Estado.
Ao contrário do que acreditam muitos intelectuais e políticos brasileiros, Marx era mais cientista do que ideólogo. Segundo ele, “A questão se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é teórica mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, a saber, a efetividade e o poder de seu pensamento.”
Marx constatou que a invenção da máquina a vapor e outras inovações tecnológicas elevariam cada vez mais a produtividade do trabalho, com a acumulação da riqueza por um pequeno número de indivíduos – os proprietários. Inferiu disso que as “crises de superprodução” se tornariam mais frequentes em virtude dos milhões de trabalhadores empobrecidos não poderem comprar a quantidade cada vez maior de produtos que saíam das fábricas. Assim, previu o colapso iminente do sistema nos países capitalistas mais desenvolvidos e o advento de uma nova ordem econômica em que essa contradição – aumento da produção e baixo poder aquisitivo dos consumidores – seria resolvida pela abolição da propriedade privada dos meios de produção.
Tal previsão não se confirmou porque o caráter irracional do capitalismo – perceptível nas condições desumanas de trabalho e na acirrada competição pelos mercados – foi atenuado pela influência dos movimentos reformistas, a intervenção do Estado na economia e a expansão da classe média. A abolição da propriedade privada acabou ocorrendo em países de industrialização incipiente, como a Rússia (1917) e outras nações com predomínio das atividades agrárias. Embora os líderes de tais “revoluções” atribuíssem a Marx a paternidade da ideias que os levaram ao poder, suas ações jamais tiveram como fundamento a análise científica dos problemas do desenvolvimento e a formulação dos meios necessários para promover as transformações econômicas e sociais. O marxismo-leninismo dos soviéticos era mais leninismo do que marxismo.
Como nenhum tipo de governo tem poder para alterar as leis do desenvolvimento econômico – podendo apenas intensificá-lo ou retardá-lo, com os acertos e os erros de suas decisões -, os comunistas russos jamais ultrapassaram os limites do capitalismo de Estado. Outros governantes, influenciados por eles, passaram a maior parte do tempo absorvidos pelo esforço de conservação do poder, sem conseguirem promover o desenvolvimento da economia. Pol Pot, no Camboja, matou dois milhões de pessoas para manter o país pobre como sempre fora. Os chineses, mais confucionistas do que leninistas, deram-se conta da necessidade de abrir a economia ao capital estrangeiro como forma de impulsionar a industrialização e a integração da China ao comércio mundial.
No Brasil, após acalentar por várias décadas a expectativa de tomar o poder para implantar a “ditadura do proletariado”, a esquerda revê suas ideias e seu papel, culminando nas ponderações de um ex-guerrilheiro, José Genoíno, sobre a preservação do socialismo apenas como conceito e referência para a promoção da “justiça social.” Admite-se, finalmente, que não convém ao nosso país ter um governo que melhore o ensino da leitura nas escolas, mas proíbe os adultos de lerem o que desejam, ou que patrocine assistência médica para todos, mas impede as pessoas de usarem livremente o seu talento para buscarem a prosperidade através das atividades profissionais e dos negócios.
Os ecos do iluminismo e a atmosfera revolucionária do século 19 impediram Marx de admitir a existência da dimensão sobrenatural da realidade, proclamando o ateísmo como modo de exaltar a supremacia da razão. Todavia, assim como Alexander Fleming será sempre lembrado pela descoberta da penicilina e Albert Einstein pela teoria da relatividade, a Karl Marx continuará sendo tributado o mérito da extraordinária contribuição à formação do conhecimento que ilumina a complexa engrenagem da economia e das estruturas de poder que sucedem ao longo da história.
A “proibição” da liberdade de expressão
Nos últimos dias circulou nos veículos de comunicação de todo o país a fala do desembargador goiano Adriano Linhares sobre...