Ao dizer que, “quando se unirem, a ciência e a religião salvarão a terra” ameaçada de destruição pela exploração irracional dos recursos naturais, o ambientalista faz uma afirmação que é correta apenas em parte, porque extemporânea. A ciência e a religião já estão unidas há vários séculos. As mais antigas universidades surgiram sob a égide da Igreja: Oxford, fundada no século XII, e a Universidade de Paris, criada em 1257 por Robert de Sorbon, confessor de Luís IX. Harvard, a mais antiga dos EUA, surgiu por iniciativa do pastor John Harvard (1607-1638).
A dificuldade de se admitir a reaproximação da ciência e da religião em certos setores, principalmente no meio acadêmico, originou-se no século XVI com os conflitos que opuseram Giordano Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642) à Igreja. Desde então solidificou-se a ideia de que ciência e religião são irreconciliáveis porque associam-se a diferentes estruturas de poder. Mas tal dificuldade deve-se também à difusão do cientificismo no século XIX e à influência que exerceu sobre os movimentos culturais e políticos do século XX.
Entretanto, convém lembrar que Charles Darwin jamais proclamou-se ateu. Sua esposa, com que viveu em perfeita harmonia, freqüentava a igreja regularmente com os filhos. A convicção do pai da teoria da evolução era da independência da ciência em relação à religião, não de oposição, embora autoridades eclesiásticas contestassem as evidências por ele apresentadas. Acreditava ele que o cientista deve empregar seu método com o rigor que permita explicar os fenômenos inerentes ao objeto de suas observações, sem atribuir-lhes causas sobrenaturais. A mesma posição foi defendida por outros estudiosos, dentre os quais se destaca a genial Ayn Rand, fundadora do Objetivismo, cujo centenário de nascimento foi comemorado recentemente com vários eventos nos EUA e lançamentos de novas edições de suas obras.
Quando Bill Clinton saudou a conclusão do Projeto do Genoma Humano, após dez anos de estudos realizados por uma equipe de prestigiosos cientistas liderada pelo Dr. Francis Collins, o presidente dos EUA o fez com as palavras de um homem de fé: “Today we are learning the language in which God created life”. O próprio Collins escreveu depois o livro A Linguagem de Deus (The Language of God) para demonstrar que “a crença em Deus (belief in God) pode ser uma escolha inteiramente racional (entirely rational choice) e os princípios da fé (principles of faith) são, de fato, complementares com os princípios da ciência (principles of science).”
Portanto, se Giordano Bruno foi, após um processo que durou oito anos, condenado à morte e Galileu foi persuadido, sob ameaça de tortura, a negar que a terra gira em torno do sol, isso se deveu à impossibilidade da Igreja compatibilizar, naquele momento, o modo impactante, como as novas descobertas científicas estavam sendo divulgadas, com as teses que oficializara e difundia como portadora do sentido da existência de todos os seres com suas manifestações. Porque ao cientista cabe explicar a estrutura e a composição dos elementos naturais, mas ao sacerdote, que é hermeneuta, compete atribuir-lhes significado, em razão deste transcender os limites da condição física ou biológica de cada ente.” Deus não é rival do homem” – ensinou o Papa João Paulo II – , mas confere a cada um o papel que se conforma ao dom concedido e à medida de sua responsabilidade.
Galileu era um gênio dedicado, com ardente fascínio, aos objetos de suas investigações, mas também um membro do “corpo de Cristo”, um filho consciente do dever da Igreja, mãe e mestra, de apoiar suas atividades, mas também de conter seus excessos. Giordano Bruno, porém, abandonara a condição de frade dominicano para entregar-se à pregação de uma heresia panteísta a par dos elogios que fazia à teoria de Copérnico. Ainda abalada pela divisão que adveio com a dissidência de Lutero e atenta ao risco de ruptura sempre presente desde os primeiros séculos do cristianismo – quando resistiu ao arianismo, ao nestorianismo e ao monofisismo, que ameaçavam a unidade da fé – a Igreja, após exaustivas tentativas de obter a retratação de Giordano Bruno, agiu com o rigor da responsabilidade no cumprimento de sua missão espiritual e temporal, considerando a gravidade do caso mas também as condições políticas e culturais da época. Porque, naquele tempo, a religião era uma instituição não como dizemos hoje que a Impressa Oficial ou a Universidade de Brasília são instituições, mas com atribuições comparáveis em importância às do poder judiciário e do Congresso Nacional em nossos dias.
Todavia, o empenho da Igreja para reconciliar a ciência com os fundamentos da fé manifestou-se sem demora. Sob seu patrocínio foi criada, em 1603, a Accademia dei Lincei, que admitiu Galileu como membro em 1611, após importantes descobertas realizadas por ele no campo da física e da astronomia. Desde então, a ciência passou a ter importância ainda maior na vida da Igreja. No arquivo da revista L‘Express (www.Iexpress.fr), pode-se ler a reportagem de junho de 1993 (Les Savants du Pape), que revela com detalhes aspectos que sugerem a superação definitiva das dificuldades que opunham a ciência ao cristianismo. A Pontifícia Academia de Ciências, cuja origem remonta à Accademia dei Lincei, reúne, há mais de cem anos, cientistas de várias nacionalidades, diferentes raças e religiões, “escolhidos por sua competência, com o papel de esclarecer os teólogos sobre a evolução da ciência.”
A história da Igreja, com a missão de preservar e difundir a fé, promovendo a paz e a cooperação em meio às contradições e atribulações deste mundo, revela que Deus não exige obediência como chefe de uma instância burocrática, que restringe as ações dos subordinados ao cumprimento do regulamento. A obediência é o reconhecimento da soberania do poder divino e requer compreensão da vontade de Deus, com a transformação do modo humano de pensar e agir. Todavia, criados para serem livres, os homens estão sujeitos aos tropeços que decorrem da limitação do próprio entendimento. Porém, ante a urgência das decisões, face a situações incomuns e inesperadas, o pior erro é a omissão. Por isso, a Igreja ensina a humildade e a confiança na misericórdia divina. Afinal, só “quando vier o que é perfeito”, a imperfeição dos atos humanos cessará.
Finalmente, é indispensável considerar que, não obstante o exemplo de discrição dos conselheiros do Papa em matéria de cunho científico, convém a cada cristão empenhar-se na reaproximação da ciência com a fé para que se alcance a superação da ideia corrente, segundo a qual religião e superstição são a mesma coisa. E, a par de tal tarefa, esclarecer que, na complexidade da linguagem bíblica, é a revelação do sentido transcendente da obra de Deus e da condição humana que se dá para que os homens sejam instruídos e educados na compreensão do amor, no conhecimento da verdade, na prática da justiça e na apreciação do que é belo na natureza e nas realizações humanas.
A “proibição” da liberdade de expressão
Nos últimos dias circulou nos veículos de comunicação de todo o país a fala do desembargador goiano Adriano Linhares sobre...