Sempre achei que a equipe que assessora a ‘presidenta‘, fosse desconectada da realidade. Não sem razão, afinal falam com convicção de fatos que os números desmentem, fazem previsões que não se cumprem, não viram, não sabem e apresentam uma competência tal que conseguiram quebrar a Petrobrás e ainda trazer de volta o assombro da inflação para o nosso meio. Creio que quando falam, o fazem para os analfabetos funcionais, grande maioria de nosso povo, produto da educação que nesses últimos dez anos ‘mudaram‘ o Brasil, esquecem que há uma minoria que pensa e discerne.
O movimento das ruas trouxe inquietude para a cúpula do poder, trouxe a necessidade de mostrar serviço, não pela procedência das questões levantadas, que são velhas mazelas que afetavam ao povo e a democracia, que eles já conheciam e ignoravam, mas pelo temor do julgamento das urnas que promete ser severo, para dizer mais claro foi uma operação de salvamento pessoal. Pior, acostumados a errar, acossados passaram a errar por atacado. A ‘presidenta‘ vai a TV e elege os responsáveis pelo caos na saúde, o médico. Apresenta a solução: vamos importar médicos, faltam médicos no interior do país e na periferia das grandes cidades. Entendam bem, não falta gestão, nem medicamentos, nem estrutura, nem hospitais, nada, faltam médicos.
A questão da interiorização do trabalho médico é uma velha discussão. Nós médicos já apresentamos a eles por diversas vezes o diagnóstico e o tratamento dessa questão, o que foi sempre ignorado. Em 2001, o decreto 3.745, de 5 de fevereiro, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso criou o PITS – Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, pude participar da elaboração como Diretor de Saúde Pública da Associação Médica Brasileira. Não era o que desejávamos, mas víamos como um processo a ser aprimorado.
Nesse governo, em mais de dez anos nada fizeram, agora pressionados, irresponsavelmente se reúnem em um final de semana, e sem ouvir os envolvidos na grave questão, apresentam uma proposta primária, míope, que pune os médicos em exercício responsabilizando-os pelo desastre que eles não souberam resolver, e também os futuros estudantes (e ‘estudantas‘) de medicina com dois anos de trabalho obrigatório para o SUS. Violência maior somente se converterem em dois anos de trabalhos forçados. Ainda mais, anunciam o aumento do número de vagas para cursos de medicina, ao invés de cuidarem do aprimoramento dos cursos atuais que em grande parte estão abaixo do aceitável. Quanto ao salário oferecido para se trabalhar nas cidades hoje sem médicos, encontra-se abaixo do que já se oferece. Como não se falou no essencial, condições para o médico exercer seu ofício com liberdade e qualidade, o que ocorrerá é que as vagas não serão preenchidas, assim a turma da ‘presidenta‘ retornará dizendo para o povo, que o médico brasileiro não quer atende-los, assim estão obrigados a trazer, por exemplo, os companheiros cubanos. Dilma em poucos dias destruiu uma agenda de 20 anos de luta dos médicos brasileiros. Considerando-se também os recentes vetos a Lei do ato médico, pode-se dizer que ‘nunca, na história desse país‘ tivemos na presidência alguém tão ruim para os médicos, de longe.
Governar um país democrático implica em sintonizar-se com os anseios da população, e não apropriar-se da autoridade investida para decidir sob juízo próprio e quase sempre em favor de poucos. Por vezes pareceu-me que os que nos governam tiveram alguns momentos com uma tênue sintonia com a realidade, mas não, pelos últimos fatos estou convicto que a turma da ‘presidenta‘ decolou de vez, a incoerência mostra que estão em um mundo distante e errático, o lamentável é que mesmo distantes nos causam um grande mal.
Samir Dahas Bittar – médico, ex diretor da Associação Médica Brasileira, ex Conselheiro dos Conselhos Regional e Federal de Medicina.