A mensagem enviada às escolas municipais dizia: “Existem pedras/ Não desista de andar…/ Existem barreiras/ Não desista de passar…/ Existem nós/ É preciso desatar…” O que se externa aí é a percepção dos professores como pessoas que vivem completamente absorvidas e debilitadas pela luta incessante com as dificuldades, não como profissionais a serviço do desenvolvimento humano, que agregam os valores da cultura ao ser de cada aluno.
Aqueles que receberam a incumbência de prover os meios e favorecer a criação das condições adequadas à realização do trabalho educacional dirigem-se aos professores considerando apenas o estereótipo do “trabalhador sofrido”, sem demonstrar nenhuma compreensão do verdadeiro sentido da atividade docente. O paradoxo é chocante: os responsáveis pela promoção do desenvolvimento da educação escolar não conseguem admitir que o processo pedagógico em sua essência transcende o cumprimento formal das atividades pré-estabelecidas. Certamente, não compreendem também que a remuneração dos educadores justifica-se pela importância do benefício que criam para as pessoas e a sociedade, não pelo “sofrimento” vivido nas extenuantes jornadas de trabalho.
Examinemos dois casos que são reveladores do modo como a cultura se processa como conteúdo da educação, ou seja, como estuário de informações e sistema de valores que formam a consciência e promovem a humanização dos indivíduos.
Raimundo de Oliveira Lima, aos oitenta e oito anos, pôs-se a escrever suas memórias em versos, acentuando em vários momentos de sua narração que a simplicidade tem sido traço marcante do longo trajeto de sua existência. Todavia, o modo simples como compôs o seu relato revela uma personalidade profundamente integrada através das relações familiares, da dedicação ao trabalho, da disposição de servir à comunidade e da relação com a natureza.
Com a alma enriquecida pelas lembranças e a estima correspondida, o autor de Minha Vida em Versos evoca os nomes de mais de duzentas pessoas entre familiares e amigos, citando mais de cem lugares para aludir a fatos do cotidiano e a acontecimentos extraordinários com refinada sensibilidade e bom humor. Mais do que sobreviver com algum conforto acrescido do prazer dos encontros e do lazer, ele buscou a dignidade no trabalho e nos relacionamentos iluminados pela fé.
Assim, o sentido do depoimento que fez, através de 3.222 versos heterométricos dispostos em estrofes regulares, transcende o registro da afeição devotada às pessoas, evidenciando os valores universais da convivência humana e o modo peculiar como são cultivados na família e na sociedade brasileira. E sua obra de arte literária, não obstante singela em sua elaboração, permanecerá como precioso legado de um homem que se educou com o desejo de aprender em todas as circunstâncias para viver do modo mais intenso e edificante.
O segundo caso, igualmente exemplar, foi protagonizado por um homem, cujo nome jamais pôde ser conhecido. Aproximando-se a comemoração dos cinquenta anos do seu casamento, “em vez de comprar um broche ou um bracelete para a esposa” como assinala o apresentador de sua obra, ele pôs-se a escrever os nomes das flores com o simbolismo a elas atribuído pela tradição. Em sua tarefa singular, o esposo anotou, destacando apenas dois exemplos, que a rosa da China simboliza a “beleza sempre nova” e o gerânio noz-moscada, “um encontro esperado”. Disso resultou um pequeno livro contendo os nomes de mais de setecentas flores, com cada uma de suas vinte e nove páginas ilustrada, provavelmente, pelas mãos do próprio autor com imagens delicadas das flores mais belas. Na dedicatória, que identifica o marido apenas como pai (father) e a esposa como mãe (mother), a data de 8 de agosto de 1913.
A pequena joia da cultura da afetividade permaneceu ignorada nos baús da família por várias décadas, apagando-se no tempo todas as informações que pudessem levar ao nome do seu autor. Só em 1968, o pequeno livro foi encontrado e teve sua reprodução fac-similar autorizada. Desde então, já foi impresso mais de dez vezes para ser apreciado por milhares de pessoas. Seu título: A Linguagem das Flores (The Language of Flowers).
A boa educação favorece a assimilação dos valores, a criatividade e a expressão original dos significados que enriquecem a experiência individual e renovam os motivos da interatividade. Sendo a sociedade a reunião de pessoas com sua sensibilidade e sua inteligência, com suas necessidades e seus motivos, com suas expectativas e o anseio de renovação, pode-se afirmar que a educação constitui verdadeiramente um dos fatores mais determinantes da ampliação e da renovação da energia que impulsiona as realizações humanas e o desenvolvimento econômico e social.
Mas não se educa apenas com transmissão de informações e conceitos ou simplesmente prescrevendo regras de comportamento. É necessário estimular e nutrir os talentos, encorajando as vocações. Ludhmila Hajjar, que ganhou notoriedade com um estudo inédito sobre transfusão de sangue, quando criança pedia aos pais que lhe comprassem estetoscópio de brinquedo. Adulta, bacharel, doutoranda e atuando com destaque nos melhores hospitais da capital paulista, faz-se excelente profissional porque almejou ser médica não apenas para ter emprego e uma vida confortável, mas para dar vazão ao seu talento e realizar sua vocação de modo pleno.
Educação e cultura são indissociáveis. Aprender é absorver os elementos da cultura: códigos; formas de interação afetiva, social e econômica; organização da vida doméstica; hábitos da boa alimentação e cuidados com a saúde; habilidades do trabalho; formas de lazer; saber popular, técnico e científico; princípios de organização do pensamento e critérios de aferição da verdade; parâmetros do planejamento e da execução das atividades; apreciação da criação artística etc. A cultura é contagiante e penetrante quando as pessoas aprendem como se respirassem o ar que oxigena o pensamento ou realizam suas atividades como se bebessem da água que hidrata a sensibilidade. Por isso, a cultura gera símbolos e cria identidade de pessoas e organizações. Quanto mais se aprende e mais se identifica com os benefícios da aprendizagem, mais as pessoas se dispõem à cooperação e mais motivadas se tornam para confrontar os desafios no âmbito da família, da atividade profissional e dos empreendimentos.
É quando o estudo se torna uma atividade cultural para os alunos, que se aprende mais, com a satisfação de sentir-se mais integrado e de crescer para novas etapas da formação escolar e da vida com seus desafios. Portanto, para que o aproveitamento escolar melhore, é necessário que os professores sejam valorizados como agentes do conhecimento e do desenvolvimento integral dos alunos, isto é, como educadores. É necessário também repensar a escola como espaço educacional. Sua arquitetura e a funcionalidade de suas dependências precisam ser adequadas ao projeto educacional de cada estabelecimento. Entradas com muros em lugar de grades e jardins? Pátios sem flores? Pequenas salas com livros, sem funcionário com noções de biblioteconomia? Corredores sem obras de arte? Salas de aulas com as paredes cobertas de mensagens e gravuras estimulando a dispersão da atenção dos alunos?… Deficiências e distorções que ocorrem porque os administradores da educação não compreendem que a cultura não é simples verniz ou ilustração, mas o conteúdo da formação dos indivíduos para se adaptarem à vida social, serem produtivos e felizes com suas realizações.
Se ainda não temos sistemas municipais e estaduais de educação evoluindo para se tornarem eficientes como as da Coréia do Sul, da Alemanha ou do Canadá, é porque a esclerose burocrática e os equívocos da administração educacional nos impedem de definir os conteúdos pertinentes ao processo educacional, condicionados por objetivos bem definidos e o emprego eficaz dos recursos disponíveis ou em formação.
A “proibição” da liberdade de expressão
Nos últimos dias circulou nos veículos de comunicação de todo o país a fala do desembargador goiano Adriano Linhares sobre...