Poderíamos teorizar sobre o futuro das crianças e adolescentes, mortos e carbonizados, encontrados na Serra da Areia em Aparecida de Goiânia nesta semana. Matriculadas em escola pública da periferia de uma cidade inchada de problemas é possível prever que Denis; Raissa, Danielle e Neylor teriam poucas oportunidades na vida futura. Filhos da pobreza, é bem possível que se tornassem reféns da droga ou, quem sabe, ascendessem a escala social e se transformassem em professores, engenheiros, médicos ou qualquer outra profissão liberal. Quem sabe, algum deles, poderia ser político, capaz de legislar e propor leis que mitigassem a situação de abandono das periferias das grandes cidades. Nós, eu que escrevo mal, e você, que me lê agora, podemos, até quando não sei, falar do futuro destas e de outras crianças. A vida, porém, não deu chances àqueles jovens de sonharem.
Se a eles não mais resta o sonho e a esperança de dias melhores, também abstenho-me de profetizar sobre o futuro dos marginalizados da sociedade e atrevo-me a falar da crueldade humana. Não estamos vivendo na Síria, mas cotidianamente somos assombrados com as notícias de violência de nosso cotidiano. Só para lembrarmos, o índice de assassinatos em Anápolis, Goiânia e Aparecida aproxima-se de uma morte violenta a cada grupo de 2000 pessoas, o que nos torna dez vezes mais passiveis de morte violenta que um morador do Harlem Novaiorquino.
Não sou antropólogo, não sou psicanalista, mas recuso-me a acreditar que freudianamente nascemos perversos e que a ausência de mecanismos repressores paternos nos torna potencialmente cruéis. Venho de um lar em que nunca meus pais levantaram a mão ou a voz para repreenderem um filho.
Seriamos, pior ainda, sádicos, aqueles que obtêm prazer na crueldade praticada contra outros, na dor que posso causar ao próximo? E se maquiavelicamente chegássemos à conclusão de que nós, brasileiros, somos cruéis desde a nossa concepção? Por que matamos tanto? Não existe nenhum outro povo, bárbaro que seja, que tira a vida do outro por alguns trocados, por uma paixão não correspondida, por um baseado ou pela falta de pagamento do baseado. Se existe uma balela sociológica, com certeza, a concepção do brasileiro cordial é o maior desastre do pensamento nacional.
Sucumbidos pela corrupção de costumes tornamo-nos cruéis a ponto de acharmos normal a chacina de jovens. Não mais choramos pelas vítimas, não mais nos envergonhamos pelo sadismo e crueldade existentes por trás da morte de jovens já previamente condenados ao desamparo social. É bem possível que a morte deles tenha sido, tão somente, a antecipação de outros desfechos tão trágicos como este. Estes jovens já estavam morrendo desde o ventre materno.
Não sei se é fato, ou versão, a história de que Picasso, surpreendido pelos policiais da Gestapo, ao final de sua obra prima Guernica, e questionado pelos nazistas se ele havia feito aquela obra tenha respondido: Não, foram vocês!
Talvez quando encontrarem o facínora que tenha matado os adolescentes de Aparecida ele diga – Não fui eu que matei, foram vocês!
A “proibição” da liberdade de expressão
Nos últimos dias circulou nos veículos de comunicação de todo o país a fala do desembargador goiano Adriano Linhares sobre...