Algum tempo atrás publiquei um artigo sobre a frase de uma amiga que afirmava que “feiura mata!”. Ela costumava empregar a frase na própria casa, quando algum de seus filhos ficava emburrado, mau humorado e com cara de choro. Ela falava para eles lavarem o rosto, pegarem um dinheiro e irem à mercearia comprar um sorvete. Afinal, ninguém suportava gente com cara feia.
Curiosamente, a beleza foi tema explorado por Vinicius de Moraes, um dos grandes poetas brasileiros, no poema Receita de Mulher. Confira o trecho:
“As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado.”
Já o conhecido escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) coloca a seguinte frase na boca de um dos personagens da novela O Idiota: “a beleza salvará o mundo”. Sua afirmação tem recebido várias interpretações e tem levado milhares de pensadores a discutir o significado dessa frase intrigante. Afinal, em que sentido podemos imaginar que a beleza salvará o mundo? Seria uma referência à beleza vaidosa de uma jovem mulher? Seria a ideia de que o estético, o poético e o lúdico podem dar algum significado à vida, algum senso de transcendência à humanidade? O belo pelo belo? Quem define o belo?
A Bíblia usa várias vezes a expressão poética e teológica para definir o Deus judaico cristão falando da “beleza da sua santidade”. Há uma beleza presente em Deus que se revela na forma de lidar com a vida, com a dor humana e os relacionamentos. Somente em conexão com Ele é possível nos livrarmos da idolatria da beleza, bem como da forma como se negocia e barateia o belo por meio da sensualidade superficial e da venda do corpo como um produto de vitrine. Somente em Deus pode ser encontrada a genuína beleza: a beleza da Graça, da sua misericórdia e perdão comunicados em Cristo.
Podemos pensar no senso estético de forma arquetípica apontando para algo maior que se revela na beleza do amor, da vida, da natureza e, em última instância, de um Deus que, ao apreciar a sua criação, “viu que tudo era bom”. E isso, não apenas no sentido moral, mas no sentido estético também.
A harmonia do universo e toda musicalidade e arte revelam este senso de grandeza e espanto que o belo produz no ser humano. Portanto, beleza não pode ser cultural ou imposta porque tem diferentes faces e ângulos. Por esta razão, somente em Deus podemos apreciar todo o espectro da beleza, já que ele é o criador de todas as coisas.