Antes mesmo do povoado que deu origem à cidade, a religiosidade foi traço da formação anapolina
Ao caminhar pelas ruas de Anápolis, é impossível não notar a presença marcante das igrejas. De pequenos templos de bairro a grandes paróquias, além de uma Catedral, de casas de oração em garagens a auditórios lotados por milhares de fiéis, a fé cristã pulsa com vigor em cada canto da cidade. Mas a influência das igrejas em Anápolis vai muito além da espiritualidade. Elas ajudaram a construir a cidade – e continuam a moldar seu futuro.
A história de Anápolis começa no final do século XIX, com a construção de uma capela dedicada a Sant’Ana, mãe de Maria, numa região de sertão goiano até então isolada. A devoção dos primeiros moradores à santa deu origem ao nome da cidade: Anápolis, “cidade de Ana”. O gesto de erigir um templo antes mesmo de haver estrutura urbana organizada evidencia como a fé católica foi o alicerce inicial da cidade.
A Capela de Sant’Ana, construída em 1870, rapidamente se tornou um ponto de encontro religioso e comunitário. Ainda hoje, no local milhares de pessoas participam anualmente da Festa de Sant’Ana, uma das manifestações mais tradicionais do Centro-Oeste, com missas, novenas, procissões e apresentações culturais.
Diocese
A Diocese de Anápolis, criada em 1966, já foi conduzida por três bispos ao longo de sua história. O primeiro foi Dom Epaminondas José de Araújo, que liderou a diocese de 1966 a 1978, sendo responsável por sua estruturação inicial e organização pastoral. Em seguida, Dom Manoel Pestana Filho assumiu o episcopado entre 1978 e 2004, com uma atuação marcante no cenário nacional, caracterizada pela defesa firme da doutrina católica e posições conservadoras. Desde 2004, a diocese é conduzida por Dom João Wilk, frade polonês da Ordem dos Frades Menores Conventuais, cuja gestão tem sido pautada pelo diálogo, fortalecimento das pastorais e incentivo à formação contínua do clero e dos leigos.
Cabe, ainda, destacar a presença de frades vindos dos Estados Unidos da América no início da década de 1940, que, dentre diversas outras ações, fundaram o Colégio São Francisco.
Personalidades
Líderes religiosos desempenharam papel de protagonismo em momentos-chave da história anapolina. O Monsenhor Messias Batista de Oliveira, por exemplo, foi muito além do altar: era conselheiro da comunidade, articulador de obras sociais e voz de influência política e moral.
Do lado evangélico, nomes como o pastor Sebastião Arrais, pioneiro da Assembleia de Deus em Anápolis, contribuíram para a expansão das igrejas pentecostais na cidade. Outro nome expressivo é o do pastor Wilton Acosta, que por décadas liderou a Igreja Presbiteriana Renovada, marcada por forte envolvimento em projetos sociais e educacionais.

Expansão evangélica
A partir da década de 1970, Anápolis passou por uma explosão evangélica. Igrejas como Assembleia de Deus, Batista, Presbiteriana, Quadrangular e, mais recentemente, correntes neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Mundial do Poder de Deus, fincaram raízes profundas nos bairros da cidade.

Cada uma com sua linguagem, estética e estratégias de comunicação, essas igrejas encontraram terreno fértil em um município com forte senso comunitário e histórico de migração interna. Enquanto as igrejas históricas mantêm liturgias mais conservadoras, as neopentecostais investem em música contemporânea, redes sociais, televangelismo e campanhas de cura e prosperidade.
Hoje, é impossível falar da identidade de fé de Anápolis sem reconhecer a presença marcante das igrejas evangélicas, que ocupam posição de destaque no cenário social, cultural e político da cidade.
A atuação das igrejas ultrapassa o púlpito. A educação é um dos exemplos mais sólidos dessa influência. A Associação Educativa Evangélica (AEE), criada em 1947, deu origem a escolas e à atual Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA, que forma milhares de estudantes todos os anos, com base em valores cristãos.
No campo católico, escolas como o Colégio Auxilium, mantido pelas Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas), formaram gerações de anapolinos com base nos princípios de Dom Bosco. As igrejas também mantêm clínicas populares, projetos de combate à drogadição, acolhimento a mulheres em situação de risco e casas de recuperação.
Política e fé
Com base sólida na comunidade, muitos líderes religiosos ocuparam espaços de poder. Pastores e padres participaram da vida política direta e indiretamente, apoiando candidatos, mobilizando fiéis e pautando temas de relevância. Em diferentes legislaturas, Anápolis elegeu vereadores, deputados estaduais e federais com origem no meio religioso.
Isso fez com que temas como a defesa da família, combate às drogas e valorização da ética ganhassem destaque nos debates locais. A bancada evangélica na Câmara Municipal tem influência concreta em projetos de lei e ações culturais promovidas pela prefeitura.
As igrejas movimentam a economia da cidade: organizam eventos que atraem multidões e geram receita para o comércio; empregam músicos, técnicos de som, designers e profissionais de limpeza; e ainda promovem turismo religioso. Grandes encontros como o Congresso de Jovens da Assembleia de Deus ou os retiros de Carnaval organizados por diversas denominações mobilizam hotéis, restaurantes e transportes.
Socialmente, são importantes redes de apoio, especialmente em áreas periféricas. Igrejas funcionam como pontos de acolhimento, reabilitação e mediação de conflitos. Nas tragédias, são as primeiras a se organizar: na pandemia da COVID-19, por exemplo, diversas igrejas criaram campanhas de arrecadação de alimentos, oxigênio e equipamentos de proteção.
O futuro
O cenário religioso anapolino caminha para ainda mais diversidade. Além do catolicismo e das igrejas evangélicas tradicionais e neopentecostais, há espaço para movimentos como os pentecostais de linha reformada, igrejas independentes de jovens pastores empreendedores, além de comunidades carismáticas católicas com atuação dinâmica nas redes sociais.
Por outro lado, o crescente número de pessoas que se declaram “sem religião” — especialmente entre jovens — apresenta um novo desafio: como manter a relevância das igrejas em tempos de pluralidade e individualização da fé?
Especialistas apontam que a digitalização das igrejas, com cultos transmitidos ao vivo, podcasts e presença nas redes, será essencial para a manutenção do engajamento. Também cresce a expectativa por uma atuação ainda mais conectada com pautas sociais, como o meio ambiente, a equidade racial e a saúde mental.
Ao revisitar a história de Anápolis, fica claro que o desenvolvimento da cidade — em suas dimensões urbanas, políticas, culturais, sociais e econômicas — foi e ainda é profundamente entrelaçado com a atuação das igrejas.
Mais do que templos de oração, elas foram e continuam sendo agentes de transformação. E, ao que tudo indica, ainda terão um papel determinante na construção do que Anápolis será nas próximas décadas. (Contribuiu com este conteúdo o historiador Jairo Alves Leite, presidente fundador do Instituto de Patrimônio Histórico e Cultural Professor Jan Magalinski)
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