O que se pode dizer sobre o amor que ainda não foi dito? Na verdade, nada, como bem pontuou Gilberto Gil: “Do luar não há mais nada a dizer. A não ser que a gente precisava ver o luar.” Não é uma questão de falar, mas de viver e experimentar. Nunca falamos tanto do amor e, também, nunca carecemos tanto do amor como nestes dias em que só se fala de guerra.
No romance O Idiota, Dostoiévski afirmou: “Os verdadeiros olhares de amor e adoração só aparecem nas portas dos hospitais e nas portas dos cemitérios. Não reconhecemos nem acreditamos no amor, exceto no momento do fim.”
Para esse celebrado autor, os verdadeiros sentimentos humanos só aparecem diante da doença e da morte. Também encontramos isso em Crime e Castigo – obra do mesmo autor -, quando Raskolnikov só percebe que Sonya o ama quando está à beira da perda.
Dostoiévski não escreveu sobre o amor feliz, mas sobre o amor que se manifesta à beira do abismo. Nesses momentos, torna-se mais evidente e clarificado o significado do outro.
Muitas vezes passamos despercebidos e deixamos de lado a pessoa que tanto amamos, até que sejamos capazes de perceber nosso sentimento. Isso se torna visível quando corremos o risco da perda, seja por desencanto afetivo e ruptura emocional, seja por uma doença grave ou mesmo pelo espectro da morte.
O rei Davi teve um relacionamento distante com os filhos. Não cuidou de Tamar como deveria quando ela foi estuprada pelo próprio irmão. Não confrontou o filho agressor diante da vergonha pública. Davi também não notou como o ódio e a oposição germinou no coração do filho Absalão, conspirando contra o governo do pai, dando um golpe de estado e tentando matá-lo.
Absalão morreu na guerra e Davi teve uma crise de culpa e de dor gritando nos corredores do palácio: “Absalão, Absalão! Meu filho Absalão.”
O pessimismo de Dostoiévski renasce: “Os verdadeiros olhares de amor e adoração só aparecem nas portas dos hospitais e dos cemitérios.” A morte exalta o ser humano mais abjeto e canoniza os maiores pecadores.
Já viu alguém sendo honestamente radiografado num julgamento sincero ao ser sepultado? Mesmo a pessoa mais vil e nefasta encontrará quem realce seus aspectos positivos no dia do funeral, afinal, não há nenhum santo que não escorregue, nem um pecador que não tenha virtudes.
Por esta razão, o amor do personagem Myshkin – também de Dostoiévski – só é compreendido quando ele cai na loucura e Os Irmãos Karamazov só entendem o significado do amor após a perda. Afinal, amor e loucura, dor e drama, sempre são parceiros na dialética arte de viver.
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