Em meio a um grave acidente, no trânsito congestionado das grandes metrópoles, seu uso pode significar a diferença entre quem vai viver ou quem vai morrer. Para quem faz da vida sobre as duas rodas de uma motocicleta sua rotina diária – com o objetivo de salvar outras vidas – é tênue, no dia a dia, a linha que demarca o equilíbrio entre o limite da prudência e a necessidade de se deslocar o mais rápido possível para atender pessoas que, vitimadas por alguma tragédia, podem vir a óbito em poucos minutos.
Em Anápolis, o serviço de moto-resgate, ou moto-socorro, do 3º Batalhão de Bombeiros Militares, existe desde o ano de 2008, mas se encontra em efetivo funcionamento há cerca de dois anos. Com a suspensão do serviço, que também era oferecido em Goiânia – devido à obsolescência das viaturas e efetivo reduzido -, o Corpo de Bombeiros de Anápolis é o único no Estado a disponibilizar esta modalidade de atendimento e resgate à população.
De acordo com o tenente Luis Carlos, oficial chefe da Seção Administrativa do 3º Batalhão do Corpo de Bombeiros, o projeto foi inspirado no pioneirismo dos bombeiros de São Paulo, que adaptaram no País o uso da motocicleta nos atendimentos pré-hospitalares. Atualmente, além de Goiás e São Paulo, estados como Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba e Rondônia, além do Distrito Federal, utilizam esta modalidade de resgate que – nos grandes centros urbanos – torna-se cada dia mais imprescindível.
Hora de ouro
“Desde sua implantação, nós não conseguimos conceber um trabalho completo e eficaz, por parte das unidades de resgate e salvamento do Corpo de Bombeiros, sem o uso das viaturas de moto-resgate. Dependendo da situação da vítima nós temos a hora de ouro – na qual ele suporta até uma hora de atendimento para que se chegue com ele ao hospital com os sinais vitais mantidos – e os minutos de platina, ou seja, aqueles 15 minutos essenciais que nós temos para chegar, fazer a abordagem e a manutenção dos sinais vitais para chegarmos com ele no hospital. Ou seja, às vezes, em um cenário de trânsito congestionado, simplesmente não há tempo de esperar a chegada de uma ambulância para o atendimento pré-hospitalar. São 15 minutos que fazem a diferença entre morrer ou viver”, explica o tenente.
As estatísticas comprovam a importância do serviço. Um levantamento feito pela Companhia Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT) aponta que circulam na cidade 103,4 mil automóveis e 59,1 mil motos, de um total de 203,935 mil veículos (incluindo caminhões, tratores e veículos utilitários).
De acordo com dados do censo do IBGE, de 2012, mais de 342,34 mil pessoas vivem em Anápolis. Em uma operação simples, a terceira maior cidade de Goiás possui uma média de 1,67 habitante para cada veículo registrado. Levando em consideração apenas a quantidade de carros e motos, este número passa a ser de 2,1 habitantes por veículo. Índices que resultaram num fluxo de trânsito que registrou, até este mês de setembro, 2,5 mil ocorrências contabilizadas de acidentes, segundo o Corpo de Bombeiros. É como se praticamente metade da cidade estivesse motorizada, uma tendência que deve ser estudada e direcionada no sentido de se desenvolver políticas públicas eficientes de transporte coletivo e de expansão urbana, para que em pouco tempo o caos não se estabeleça no trânsito do município, cujo ritmo de expansão econômica (PIB de R$ 8,1 milhões, o segundo maior de Goiás) o torna o município mais competitivo, rico e desenvolvido do interior do Centro-Oeste Brasileiro.
Amor à farda
Quando a sirene toca, a tensão é total. O operador do sistema de som, espalhado por todas as salas do quartel central do 3º Batalhão de Bombeiros Militares de Anápolis, na Praça Presidente Vargas, avisa a natureza da ocorrência. Se for de resgate e salvamento, sobretudo em horários de pico, em locais de difícil acesso por meio da ambulância – devido ao trânsito congestionado – duas das quatro motos-resgates provavelmente serão utilizadas.
“Elas sempre saem em dupla. Um bombeiro sozinho não pode fazer muita coisa”, explica o tenente Luis Carlos, 29 anos de corporação, detentor de muitos cursos e honrarias, e de muitas histórias para contar. “Elas nem sempre têm um final feliz, mas treinamento e equipamento em dia são primordiais”, afirma o bombeiro que, em 2013, completando 30 anos de serviço à frente da corporação, será encaminhado à reserva e terá, como diz ele, de “pendurar a farda”.
A unidade de resgate e salvamento do 3º Batalhão de Anápolis possui um efetivo de 25 homens, em três quartéis espalhados na cidade: um na região central, outro no saída Sul (próximo ao Distrito Agroindustrial – Daia) e outro ainda na parte norte, na 1ª etapa do Jardim das Américas. Além do município de Anápolis, o 3º Batalhão atende os distritos e os municípios de Terezópolis, Goianápolis, Campo Limpo, Ouro Verde, Abadiânia, Alexânia, Leopoldo de Bulhões e Silvânia, bem como participa de operações pontuais em parceria com o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal.
Equipamentos
Feitas para atendimentos pré-hospitalares emergenciais, as moto-resgates de 300 cilindradas, utilizadas pelos bombeiros de Anápolis, possuem em seu bagageiro um kit de primeiros socorros, com equipamentos necessários para estabilizar a vítima até a chegada da ambulância. Atualmente, já existem em circulação, no Estado de Rondônia, viaturas de moto-resgate já equipadas com desencarcerador – um tipo de pinça utilizada para cortar ferragens e retirar vítimas que ficaram presas. “Em Anápolis ainda não temos essa tecnologia. Temos apenas três desencarceradores, nos automóveis, um em cada quartel”, informa.
O trabalho em cima das motos exige rígido treinamento. E, mesmo diante das emergências, o bombeiro deve aprender a manter o sangue-frio e a direção cuidadosa. “As recomendações de direção defensiva que são repassadas ao civis não são menos seguidas por nós, apenas porque somos bombeiros; pelo contrário, seguimos rigidamente. Caso contrário, não apenas vamos deixar de evitar uma tragédia, mas iremos provocar outras. A moto é um excelente veículo, assim como o carro; basta que seja manuseado com a responsabilidade e o respeito que o trânsito requer”, ensina o tenente Luis Carlos.
A moto que salva versus a moto que mata
As estatísticas explicam porque não somente em Anápolis, Goiânia ou Goiás, mas em todo o Brasil, é preciso a urgente necessidade de que os resgates ocorram de forma mais rápida e eficiente. Levantamentos apontados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostram que entre os anos de 2002 a 2010, a quantidade de acidentes envolvendo motos triplicou, passando de 3.744 para 10.143 mortes, correspondendo a ¼ das mortes por acidentes. “Basicamente, usamos as motos para atender a acidentes urbanos. Estes, quase sempre, envolvem motos e também pedestres – uma trágica ironia, infelizmente. Na contramão das estatísticas, somos a moto que salva”, aponta o tenente.
De acordo com números do Seguro DPVAT, embora as motos representem menos de 30% da frota nacional, são os veículos que mais causam acidentes com lesões permanentes no trânsito brasileiro. Nos nove primeiros meses de 2011, 66% das indenizações pagas pelo Seguro DPVAT corresponderam a acidente envolvendo motos. Destes, 72% acarretaram invalidez permanente – muitas vezes resultados de sequelas por um atendimento demorado ou não realizado da forma correta. “A educação no trânsito é fator primordial de preservação da vida. As moto-resgates são frutos de uma realidade que, melhor seria, não existisse, se tivéssemos um trânsito mais ordeiro e motoristas responsáveis. Mas este é o retrato da nossa realidade, e a nossa função é nos preparar melhor, a cada dia, para minimizar os danos e os sofrimentos de quem passa por tais situações. Nossa finalidade é salvar vidas, seja como for”, finaliza Luis Carlos. (Goiás Agora)