A Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao Ministério da Saúde em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, publicou, nesta quinta-feira, 19, pesquisa onde revela que cerca de 370 mil brasileiros, de todas as idades, usaram regularmente crack e similares (pasta base, merla e óxi) nas capitais ao longo de pelo menos seis meses em 2012. Por “uso regular”, foi considerado um consumo de pelo menos 25 dias nos seis meses anteriores ao estudo, de acordo com definição da Organização Panamericana de Saúde. Esse número corresponde a 0,8% da população das capitais do País e a 35% dos consumidores de drogas ilícitas nessas cidades. Além disso, 14% do total são crianças e adolescentes, o que equivale a mais de 50 mil usuários. O estudo foi realizado com 25 mil pessoas de forma domiciliar e indireta e é uma estimativa do que ocorre nas 26 capitais e no Distrito Federal – em outra pesquisa da Fiocruz, por exemplo, feita de forma direta com sete mil entrevistados em 112 municípios (incluindo capitais e regiões metropolitanas) entre o fim de 2011 e junho de 2013, o total não passou de 48 mil usuários de crack e similares.
A metodologia indireta permite que populações de difícil acesso (como presos, hospitalizados, estudantes, militares, religiosos, fugitivos e vítimas de catástrofes) também entrem nessa conta. Essas duas pesquisas são as maiores já feitas sobre crack no mundo, pelo número de entrevistados e pelo volume de dados gerados. Somando-se os dois estudos, são 32 mil questionários produzidos. O usuário de crack, conforme os resultados, é alguém que vive uma forte exclusão social, tem baixa escolaridade e dificuldade de inserção no mercado de trabalho, com predominância de indivíduos não brancos (80%) e em situação de rua.
Nordeste lidera
Entre as regiões do Brasil, o Nordeste lidera o uso regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do Centro-Oeste, do Sul e do Norte. Além disso, cerca de 80% dos usuários dessas substâncias fazem isso em lugares públicos e de grande circulação, como as ruas. Nas capitais do Sudeste e do Centro-Oeste, o crack e similares correspondem a 52% e 47%, respectivamente, de todas as drogas ilícitas (com exceção de maconha) consumidas nessas cidades. Já no Norte, o crack tem uma participação menor no total: cerca de 20%. Além disso, as capitais do Nordeste são as que concentram mais crianças e adolescentes usuários de crack e similares, com 28 mil pessoas. No Sul e no Norte, esse número é de cerca de três mil indivíduos em cada região.
Nas mesmas cidades analisadas, estima-se que um milhão de pessoas usem drogas ilícitas em geral (cocaína, heroína, ecstasy, LSD, etc.), com exceção de maconha. Ainda não é possível fazer um estudo em todo o País porque não há bancos de dados nacionais com informações suficientes sobre grupos específicos da população. Em estudos tradicionais com perguntas diretas não é possível identificar os usuários de crack e similares em casa, pois eles estão nas ruas. Para ter acesso a essas pessoas, então, é preciso ir em busca de suas redes de contatos. E, além de estarem fora de casa, os indivíduos que consomem drogas como o crack são mais estigmatizados que aqueles que usam maconha ou álcool. Por isso, a maioria dos usuários não assume o vício.
O perfil
Entre 2011 e 2013 foi feito um levantamento, este com sete mil pessoas de 18 anos ou mais, em112 municípios envolvendo cerca de 400 perguntas. As cidades pesquisadas foram as 26 capitais, o Distrito Federal, nove regiões metropolitanas e municípios de médio e pequeno porte. Os locais de estudo foram as próprias cenas de uso de crack e serviços de saúde próximos. A média de idade dos entrevistados era de 30 anos. Por sexo, os usuários se mostraram predominantemente homens, representando quase 80% do total. Em levantamentos anteriores sobre crack e cocaína, essa proporção era menor: cerca de 60%, contra 40% de mulheres. Esse índice encontrado agora, segundo a Fiocruz, tem relação com uma maior presença masculina no tráfico e em cenários abertos de uso de drogas. Entre as mulheres usuárias de crack ouvidas, 10% estavam grávidas naquele momento e mais da metade já havia engravidado pelo menos uma vez desde o começo do vício. Além disso, a maioria (60%) dos usuários de crack declarou ser solteira, 40% vivem nas ruas, 65% fazem trabalhos esporádicos ou autônomos e muitos não chegaram a concluir o ensino médio ou entrar no ensino superior. Atividades ilícitas, como tráfico de drogas e furtos/roubos, foram admitidas por apenas 6,4% e 9% dos entrevistados, respectivamente.
De acordo com o levantamento, o tempo médio de uso foi de oito anos nas capitais, contra cinco anos nos demais municípios. O número médio de pedras utilizadas por pessoa nas capitais foi de 16 ao dia, contra 11 nas outras cidades. Além desses dados, quase 30% das usuárias de crack ouvidas admitiram trocar dinheiro ou drogas por sexo, contra 1,3% dos homens. Elas também foram maioria nos casos de violência sexual prévia: 44,5%, contra 7% no sexo masculino. E, ao todo, 41,6% relataram terem sido detidos no último ano, por motivos como posse de drogas (quase 14%), assalto/roubo (9,2%), furto/fraude/invasão de domicílio (8,5%) e tráfico ou produção de drogas (5,5%).
Combate sistemático
O ministério da Justiça anunciou que será feito um plano de três eixos para enfrentar o crack no país: um de prevenção, um de cuidados e outro de autoridade. O primeiro exige um conjunto de medidas de orientação social, que possa esclarecer os malefícios do uso do crack. Já o eixo de cuidados inclui tratar os usuários, contratar bons profissionais e manter um número suficiente de unidades de tratamento. O eixo autoridade tem a ver com medidas de segurança pública e o enfrentamento rigoroso das organizações de narcotraficantes.
José Eduardo Cardozo afirmou, também, que os usuários de crack devem ser considerados dependentes químicos e, portanto, passíveis de tratamento, e não tratados com sanções penais. Para ele, a maior parte dos usuários são pessoas de extrema vulnerabilidade social. “Quando você vai ouvi-las, ao contrário do que muitos pensam, 80% querem tratamento e 92% querem apoio para conseguir emprego ou ensino para se reinserir socialmente”, disse o ministro.