A morte de um jovem atacado por um casal de cachorros da raça pit bull, em Santa Helena, Goiás, reacende a polêmica sobre a criação cães de raças consideradas perigosas. O tema mobiliza criadores, legisladores e a população em geral. Por todo o País tramitam projetos de lei com o propósito de regular a criação desses animais ou, até mesmo, de impedir sua reprodução, como ocorreu, em Goiânia. Lá, o vereador Maurício Beraldo (PSDB), apresentou um projeto que propunha a proibição do comércio e obrigava a castração de cães das raças pit bull; rottweiler; bull terrier; mastin napolitano, dobermann e fila brasileiro. Entretanto, no último mês de maio, o projeto acabou não sendo sancionado pelo prefeito da Capital, Paulo Garcia (PT).
De um lado, a população assustada com a onda de ataques de cães ferozes, que protagonizam casos de ferimentos graves, mutilações e mortes de crianças, adultos e idosos. De outro, criadores que não abrem mão de ter em casa esses animais. Diante da controvérsia, o CONTEXTO resolveu investigar: o que torna um cão violento, sua genética ou a criação que recebeu do dono?
Para o médico veterinário, Alexandre Propício de Pina, que cria animais de raças consideradas violentas, a personalidade do cão não é definida apenas pela raça. A genética influencia no comportamento do animal, mas o fator decisivo está na forma como ele será educado pelo dono. “Tenho um cão que foi doado por um cliente, por se tratar de um animal agressivo. Ele era muito violento e quase foi sacrificado, mas pedi uma chance ao proprietário. Iniciei um treinamento com este cão e hoje ele é bem mais tranquilo. Portanto, podemos ter um poodle bastante agressivo e um pit bull muito dócil. Depende do adestramento”, esclarece o veterinário.
Animais como o pit bull são resultado do cruzamento de raças de cães agressivos que eram utilizados em rinhas entre cães e touros, durante o século XIX, na Inglaterra. Dessas miscigenações, surgiram cães altamente ágeis e musculosos. Já no caso do rottweiler, sua origem é atribuída à Alemanha, onde o animal era utilizado como cão boiadeiro e cão de tração (puxadores de trenós e veículos semelhantes). Esta raça é famosa pela inteligência que apresenta, assim como, pelo instinto de defesa apurado, o que exige de seu dono uma atitude de liderança para disciplinar-lhe o comportamento.
Entretanto, seja qual for a raça, a postura do criador é fundamental. Segundo o médico veterinário, José Eustáquio de Oliveira, os casos registrados de ataques de cães violentos se devem, muito mais, à má conduta do dono, do que ao temperamento do animal. “O cachorro tem a característica de querer agradar ao dono. Então, se o dono estimula o cão a ser violento, dá anabolizante para ele participar de rinha, por exemplo. Ou, se não tem cuidados básicos, como levar o cachorro para passear e fazer exercícios, ele está formando um animal agressivo”, lamenta José Eustáquio.
Em caso de ataque, especialistas são unânimes em orientar que as vítimas não tentem reagir e/ou lutar com o animal. O ideal é ficar de pé, com os braços cruzados e sem olhar diretamente para o cão, já que, encará-lo, pode fazer com que ele se sinta ameaçado e ataque de forma mais agressiva ainda.
Sociabilização dos filhotes
Para Alexandre Pina, projetos de lei que tentam regular a reprodução de cães, como pit bull e rottweiler, não atingem a origem do problema da agressividade destes animais. O médico veterinário defende que os donos de cães deveriam ser orientados a respeito da sociabilização do animal jovem. “Seguindo alguns cuidados simples, seria possível extinguir a fama de cães de guarda perigosos, sem precisar esterilizá-los. Desde que tenha iniciado suas vacinações, o cão precisa, ainda filhote, ver carros, motos e gente na rua. Isso ajudaria muito a mudar o comportamento de um animal com tendência a agressividade.”, orienta Alexandre Pina. Aliados à sociabilização estão os cuidados com a criação correta do animal, como a construção de canis seguros para o proprietário e para pessoas que frequentam a casa, alimentação adequada e treinamento do cão condizente com seu temperamento. Além disso, para a segurança do proprietário e das pessoas ao redor, é fundamental que o cão, ao andar por locais públicos como ruas, parques e praças, esteja com focinheira, coleira (açaimo) e acompanhado por um guia.
Memória sangrenta
Considerando apenas os dois últimos anos, vários casos de ataques de cães ferozes foram registrados, em Goiás. Abaixo, seguem alguns deles:
JULHO DE 2010
O estudante de Fisioterapia, Eduardo Alves Costa, 28 anos, foi atacado por um casal de cães pit bull, no município de Santa Helena, e morreu na hora, vítima de hemorragias por todo o corpo. O rapaz foi arrastado pelos animais por, aproximadamente, 20 metros. Teve a jugular dilacerada e as orelhas arrancadas.
MAIO DE 2010
Carmen Lúcia da Silva, 44 anos, foi atacada, dentro de casa, por seu próprio cachorro, da raça pit bull, em Goiânia. Após sofrer laceração nos braços, no rosto, na cabeça e no abdome, Carmen foi submetida a uma cirurgia. Ela conseguiu escapar com vida, pois os vizinhos a ajudaram e chamaram a polícia que atirou no animal.
OUTUBRO DE 2009
Uma criança de cinco anos de idade sofreu ataque de um pit bull, em Novo Gama-GO. A menina foi socorrida a tempo e levou cerca de 40 pontos na cabeça.
SETEMBRO DE 2009
Em Planaltina de Goiás, um bebê de dois anos morreu, após ser mordido por dois cachorros: um rottweiler e um pit bull. Os animais eram criados pelos pais do garoto. A criança não resistiu aos ferimentos na cabeça, no pescoço e nas pernas.