Gabriel García Marquéz no livro Cem Anos de Solidão descreve um de seus personagens atormentado por fantasmas e assombrações: “José Arcadio Buendia, depois de uma briga com Prudêncio Aguilar, numa rinha, o mata com uma lança. Um dia sua mulher saiu para beber água no quintal e viu Prudêncio junto à tina. Estava lívido, com uma expressão triste, tentando tapar com uma atadura de esparto, o buraco da garganta. Voltou ao quarto, contou ao esposo o que tinha visto, mas ele não ligou e respondeu: “Os mortos não saem, o que acontece é que não aguentamos com o peso da consciência.”
Ao enfrentar lutas e pressões temos que lidar com emoções que surgem de diferentes formas: medo, ansiedade, angústia, raiva ou tristeza. Nem sempre reagimos de forma correta e proporcional à situação que enfrentamos. É fácil colocar uma intensidade muito maior ao problema do que ele de fato merece porque há uma bagagem emocional por trás do fato e os gatilhos são inevitáveis.
Por isso, diante das pressões, disputas e circunstâncias, precisamos ficar alertas às nossas experiências remotas. Deveríamos nos perguntar: “qual é o problema por detrás do problema?” Nem sempre reagimos à provocação de forma adequada porque há uma construção psicológica, fruto de lembranças, ameaças e abusos anteriores. O evento do momento torna-se grandioso por causa da construção emocional acumulada com os anos e que faz parte do nosso “infinito particular”. O problema mais profundo tem raízes e a resposta de hoje não está desconectada das nossas experiências. Nem sempre o problema que temos agora é o real problema. O que vemos é uma figura embaçada, encoberta por uma cortina de fumaça.
O grande problema do homem não está fora dele, nem o que lhe acontece, as circunstâncias, o que as pessoas fazem. Por isso é fácil perceber porque as pessoas reagem de forma diferente ao enfrentar problemas semelhantes. Uma pessoa pode se manter calma em meio ao perigo e outra pode se desesperar, desmaiar ou entrar em um quadro catatônico. Diante de abusos sofridos, um grita, xinga e bate. O outro se cala, sofre a ofensa e apanha. O grande desafio humano é o coração. O coração do problema é o problema do coração!
Então, se fôssemos suficientemente maduros, o que quase sempre não somos, seríamos capazes de nos manter resilientes, corajosos e fortes mesmo em meio aos riscos reais. O que há por trás de toda raiva, irritação, ressentimento e mágoa que o evento presente gera? Qual é a dor por trás da dor? O problema por trás do problema? Nem sempre a dor que sentimos hoje é real, mas ela evoca e faz renascer angústias não resolvidas. Inconscientemente reagimos a todas estas ameaças.
E se perguntássemos: Por que sinto e reajo desta forma? O meu problema são os outros ou minha alma marcada pela dor? Estou sofrendo por causa do ambiente, das circunstâncias ou por causa de experiências antigas que o evento atual faz renascer? Por que reagimos rapidamente às provocações, explodimos ou nos entristecemos?
Devemos sempre observar os movimentos do coração. A Bíblia afirma: “Guarda o teu coração, porque dele procedem todas as fontes da vida.” Os religiosos contemporâneos de Jesus estavam muito preocupados com os ritos, com a guarda do sábado, os cerimoniais de purificação e com a lista de alimentos proibidos na Lei mosaica. Jesus afirmou: “O que contamina o homem não é o que ele come, mas sim o que sai do coração. Porque do coração procedem os maus desígnios, o adultério, a mentira e toda sorte de males…” De fato, o coração do problema é o problema do coração.