O caso provocou comoção no país. Número de vítimas pode ser maior
Um homem de cerca de 30 anos chegou carregado a um hospital da província de Buenos Aires no fim da tarde da quarta-feira (2). Ele tinha os mesmos sintomas que as vinte pessoas mortas e as setenta e quatro internadas após consumo de suposta cocaína “envenenada” — dificuldades para respirar e para ficar de pé, além de convulsões, segundo relatos de familiares à imprensa local.
Segundo a imprensa da Argentina, 20 pessoas morreram e mais de 70 estão internadas — mas as autoridades dizem que o número real de afetados pode ser maior.
A mãe de outra vítima, que se identificou como Beatriz, contou, diante das câmeras de televisão, que encontrou o filho, de 41 anos, caído de madrugada na cozinha da casa onde os dois moram, em uma área humilde da mesma província.
“Meu filho teve uma parada cardíaca e mal conseguia respirar. A ambulância demorou meia hora. Mas eu entendo porque foram muitos chamados, pelo mesmo problema, ao mesmo tempo. Meu filho é usuário de drogas desde os 14 anos, ele agora está entubado, mas tenho esperanças”, disse ela.
Na entrada dos quatro hospitais para onde as vítimas foram inicialmente levadas, as famílias choravam e se abraçavam, do lado de fora, enquanto esperavam informações sobre seus parentes.
“O que está acontecendo é inédito. Peço a quem comprou [cocaína] nas últimas 24 horas que a descarte. É fulminante. Esta droga tem substância extremamente mortal”, disse o secretário de Segurança da província de Buenos Aires, Sergio Berni.
Segundo ele, entre os que consumiram do que chamou de “cocaína envenenada” estão pessoas com diferentes níveis de intoxicação, incluindo “muito graves”.
Cocaína envenenada
Assessores do governo provincial disseram à BBC News Brasil que não se descartava que “o número de vítimas pudesse ser maior”. Nove pessoas foram presas em uma operação que resultou na apreensão de papelotes. O caso provocou comoção no país.
Os envelopes com o conteúdo rosado eram vendidos a 200 pesos (R$ 10) na localidade de casas simples e inacabadas de Puerto 8, segundo a polícia local. A polícia e os investigadores não descartam que a venda da droga possa ser parte da briga entre quadrilhas de traficantes.
“Na pandemia, aumentou muito o consumo de bebidas alcoólicas e também de drogas”, disse a toxicóloga Mónica Nápoli. O debate público, entre autoridades dos governos e toxicólogos, era sobre que tipo de “veneno” poderia ter sido inserido na cocaína e se a ação teria sido acidental ou proposital.
O toxicólogo Carlos Damín disse à emissora de televisão TN, de Buenos Aires, que a cocaína costuma ser “adulterada” na Argentina com “talcos e medicamentos anti-inflamatórios”.
Em um primeiro momento, chegou-se a especular que o produto teria sido misturado com veneno de rato, o que não foi confirmado pelas autoridades locais. A partir dos sintomas das vítimas da “cocaína envenenada”, Damín deu seu prognóstico:
“A cocaína é um estimulante. E tudo indica que, neste caso, foi adulterada com opioides, que têm efeito contrário. Por isso, as vítimas apresentam quadro respiratório severo, as pessoas acabam ficando asfixiadas. Pela minha experiência, isto não foi acidental, mas proposital”.
O opioide em questão seria o fentanil, de acordo com a imprensa local e fontes do governo provincial. “Ele é mais barato e também mais destrutivo que a cocaína”, disse o Alberto Fohrig, especialista no combate ao narcotráfico.
Em comunicado na noite de quarta, a Secretaria de Saúde da província de Buenos Aires informou que havia sido declarado “alerta epidemiológico” e que informações preliminares indicavam que as vítimas sofriam “quadros de intoxicação por opiáceos e se desconhece a existência de outro produto vinculado”.
As vítimas que chegaram a ser socorridas eram principalmente de bairros e comunidades pobres da província de Buenos Aires. As dificuldades econômicas e sociais que enfrentam também foram evidenciadas nesta história apontada como “inédita” não apenas pelo secretário de Segurança Berni e por toxicólogos, mas por investigadores da Justiça.