Dados do SERASA Experian revelam o que tem sido classificado como uma possível banalização da entrada de pedidos de recuperação judicial para o agronegócio. Isto passou a preocupar o setor. Para as lideranças ligadas ao setor, os altos custos envolvidos no processo e a dificuldade de acesso a crédito futuro, por exemplo, podem levar parte desses produtores, que aderem a processos de pedido de recuperação sem cautela, à falência total.
De janeiro a setembro de 2023, o agro somou 80 pedidos de recuperação judicial. O dado mostra um avanço de 300% frente ao número de pedidos vistos em todo 2022. Entidades como a Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários, Associação Nacional para a Difusão de Adubos, (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais emitiram notas de preocupação com o que chamam de ‘banalização dos requerimentos de recuperação judicial’.
Para elas, a proliferação do uso de recuperações judiciais pode prejudicar a confiabilidade que precisa vigorar entre os agentes econômicos que atuam no setor’. “O crédito é um insumo muito importante na agricultura. É imprescindível considerar que a recuperação judicial não é o instrumento capaz de resolver todos os problemas de endividamento do produtor rural, tampouco pode ser usada como base para obtenção de vantagens”, disse em nota à imprensa. De acordo essas instituições, a recuperação judicial deve ser a última alternativa para resolver problemas com dívidas. O próprio ministro da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, reconheceu, no início de fevereiro, a importância de se discutir a renegociação de dívidas dos produtores, mas pregou cautela.
Causas e efeitos
O entendimento é de que, entre os motivos para os pedidos de recuperação judicial está o alto nível de endividamento, além de perdas nas lavouras, explica Juliano Merlotto, sócio fundador da FG/A, empresa especializada em assessoria financeira, especialmente para o agronegócio. Isso porque o produtor rural consegue negociar mais facilmente descontos, carências e prorrogação da dívida, durante o processo de recuperação judicial. Mas, o executivo afirma que é preciso cautela antes de decidir entrar com um pedido de recuperação judicial. Para ele, o maior problema deste tipo de ação é a sensação de que o processo é algo simples, mas também traz consequências ao produtor e às empresas credoras. Juliano Merlotto garante que, na maioria das vezes, existe outra saída que poderia ser uma maneira menos agressiva e que não iria impactar tanto o histórico de crédito do produtor no futuro. Já do ponto de vista das empresas credoras, Juliano conta que o principal prejuízo é a inadimplência aumentada.
Hugo Valente, diretor da AHL Agro, uma das maiores distribuidoras de insumos agrícolas do Centro-Oeste, diz que o pedido de recuperação judicial indiscriminado não representa benefícios a médio e longo prazos para os que usam a ferramenta. Segundo ele, para o produtor, será difícil recuperar o crédito perdido. Já para as empresas credoras, elas ficarão expostas à vulnerabilidade financeira e poderão não sustentar a falta dos recursos devidos pelos produtores.
O problema
Os produtores rurais que mais solicitaram recuperação judicial foram os que tinham maiores áreas com plantio de soja. Em segundo lugar vieram aqueles que possuem áreas de pastagem e, depois, de café. Uma alteração na Lei de Falências e Recuperação Judicial, em dezembro de 2020, possibilitou que os produtores rurais se tornassem o único grupo com direito ao recurso utilizando o próprio cadastro de pessoa física. A mudança colocou a população agro sem cadastro rural, que engloba arrendatários de terras e grupos econômicos ou familiares relacionados ao setor, como aquela que mais solicitou recuperação judicial em 2023.