Ler durante várias horas diárias; cursar uma faculdade; tocar violão; passear com os filhos, trabalhar, ou sustentar uma família. Atividades corriqueiras que parecem simples compromissos e lazeres do cotidiano adquirem significado especial e se tornam desafios constantes para quem realiza tudo isso sem poder utilizar um dos cinco sentidos: a visão. Quando uma pessoa nasce sem, ou perde, a capacidade de enxergar, em um primeiro momento, pode ver limitadas suas possibilidades de interação com o “mundo exterior”. Entretanto, passado o “susto” inicial, é possível surgirem descobertas de potencialidades durante o período de adaptação à nova condição, o que pode transformar o deficiente visual em um exemplo de perseverança e superação.
Jorge Antônio Monteiro de Lima, 41 anos, representa um dos inúmeros casos de luta contra o preconceito e defesa do direito de ser um “cidadão comum”. Para ele, trabalhar é um prazer e uma necessidade que não podem ser prejudicados por aquilo que considera um “acidente da vida”. Jorge é psicólogo, pesquisador em saúde mental e músico. É casado e tem uma filha. Perdeu a visão há 15 anos, quando cursava o último ano da faculdade, vítima de erro médico ao realizar uma cirurgia na retina, em Cuba.
Segundo ele, o processo de adaptação é diário. “Até hoje estou recomeçando, é um desafio cotidiano. Nossa maior dificuldade é o preconceito que existe em todas as esferas: profissional, acadêmica, social, religiosa e/ou afetiva. A sociedade ou hiper-valoriza o que você faz ou te olha com ar de incompetente. Infelizmente, vivemos em um país atrasado em termos de acessibilidade, pelo menos 40 anos, em relação ao resto do mundo”, desabafa Jorge Antônio que também trabalha com projetos de acessibilidade para deficientes de empresas em geral.
Para facilitar a adaptação de deficientes visuais, como Jorge, que gostam de estudar e têm a leitura como material de trabalho, existem dois softwares de computador que substituem a tradicional leitura pelo método “braile”. O Dosvox e o Jaws são programas que podem ser baixados gratuitamente pela Internet e transformam o texto em sons, como se alguém estivesse lendo em voz alta para o deficiente visual.
Para o psicólogo e pesquisador em saúde mental, a perda de visão é um processo traumático, pois envolve uma mudança inesperada na rotina. Mas, a diferença está na personalidade de cada pessoa e na forma que cada um encontra para lidar com a nova situação que a acompanhará pelo resto da vida. “Normalmente, crianças se adaptam melhor. Quanto mais velho, mais difícil a mudança. Quem nasceu cego tende a sofrer menos por que não terá o fator comparativo no processo de ver e não ver. Mas o grande problema, é que não existe, no Brasil, uma metodologia para adaptação em um processo de perda visual. A deficiência é uma área marginal e existem poucos estudos e instituições trabalhando em prol da melhoria de vida dos deficientes visuais”, lamenta o psicólogo.
Um homem de visão
O ex-secretário municipal de Educação, Administração e Obras, Jalme de Souza Fernandes, representa mais um grande exemplo de que, não enxergar, não significa deixar de viver. Há 13 anos, Jalme sofreu uma queda que provocou um deslocamento de retina e ficou cego. A perda da visão se tornou motivação para que ele enxergasse a possibilidade de criar uma nova página em sua vida. Após os dois primeiros anos de adaptação, Jalme Fernandes fundou, em 1999, a Associação dos Deficientes Visuais de Anápolis (ADVA), cuja nova sede está localizada na Rua 06, esquina com a Travessa César Duarte, na Vila União.
A ADVA conta com 105 associados com idade variando de quatro a 77 anos. Entre os membros da Associação estão dois psicólogos e estudantes de Direito, Psicologia e Pedagogia que, mesmo com a limitação visual, não desistiram de conquistar um diploma de curso superior. A ADVA promove atividades educativas e de lazer, envolvendo os deficientes visuais, seus familiares e moradores de bairros próximos à Vila União. Em datas pré-estabelecidas, ocorrem aulas de braile, palestras com psicólogos e fisioterapeutas, aulas de artesanato, bingos e salas de leitura. Atualmente, Jalme Fernandes é administrador da associação, que não tem orientação política nem religiosa, e recebe uma ajuda de custo da Prefeitura. Ele, que já foi político e empresário em Anápolis, dá um exemplo de superação e força de vontade: “Depois que perdi a visão, fiz faculdade de Psicologia e, hoje, trabalho na área e curso especialização. Deixar de enxergar não foi uma experiência fácil, mas a cidade já não te ajuda a se adaptar, nas ruas, no trânsito, nas empresas, nas escolas e universidades. Então, se você não tomar uma atitude e decidir que vai levar uma vida quase normal, a inclusão será impossível”, recomenda Jalme Fernandes.