Os resultados foram publicados em uma revista internacional, além da criação de um e-book e de uma cartilha destinados a familiares e profissionais da saúde
No próximo domingo, dia 2 de abril, celebra-se o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, data que busca difundir informações e reduzir a discriminação e o preconceito contra os indivíduos que apresentam o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A Universidade Estadual de Goiás (UEG) participa do esforço de divulgação e inclusão das pessoas com o transtorno.
A Universidade conta, inclusive, com representantes do Espectro em seu quadro de funcionários, como é o caso de Guilherme Francisco dos Santos, 28 anos.
Diagnosticado com autismo aos 21 anos, ele conta que foi sua esposa quem percebeu algumas características, como o hiperfoco, e sugeriu que ele procurasse um especialista.
“Venho de uma família muito humilde, meus pais trabalhavam muito, então eu não tinha esse olhar de que poderia ter algo comigo. Só fui começar a perceber alguns detalhes através da minha esposa, que recomendou que eu fosse a um especialista”, revela.
Com grau leve do Transtorno de Espectro Autista, Guilherme explica que não tem dificuldades no dia a dia e na maior parte do tempo nem se lembra disso. Servidor efetivo da UEG, ele trabalha na área da Administração, sua área de formação. “Eu não conseguiria fazer outra coisa”, diz.
“Na parte técnica do trabalho, me ajuda, pois sou bem focado e um pouco obcecado em algumas áreas específicas. Então eu procuro sempre fazer da melhor forma possível”, explica.
Se o Guilherme tem uma vida normal com TEA, o mesmo não acontece com a Nicole Boarin, filha da também servidora da UEG Rita Maura Boarin. Hoje com quase 18 anos, Nicole foi diagnosticada com 3 anos e meio.
“Quem fechou seu diagnóstico foi uma psicóloga de Goiânia. Após três sessões com minha filha ela conseguiu fechar o laudo com o diagnóstico. Na época ela era muito pequena e decidimos consultar um médico neurologista infantil em São Paulo. Ele não só confirmou o diagnóstico, como também elogiou o trabalho da psicóloga”, revela. Rita diz que a filha se comunica muito pouco verbalmente, mas já houve avanço.
“O diferencial nessa história foi a entrada da palavra “não” na vida dela e de todos nós. Ser compreendida em seus desejos de não querer sair, comer ou simplesmente tomar banho naquele momento foi absurdamente libertador. Uma simples palavra teve a capacidade de impedir que fossem geradas grandes crises de estresse, autoagressividade ou até sensoriais. Hoje eu consigo observá-la muito mais do que quando era criança e não parava de pular e mexer em tudo o tempo todo. Essa observação me fez aprender a ler seu corpo, seus trejeitos e comportamentos. Hoje ela é praticamente uma mulher, é maior do que eu e, com certeza, se tivesse o comportamento que tinha quando criança seria muito complicado lidar com ela”, salienta.
Esses casos são exemplos da diversidade dos tipos de autismo. Essa diversidade, bem como a influência da genética no diagnóstico do autismo, fez parte da pesquisa que a professora Thaís Cidália, da Unidade Universitária de Goiânia – Eseffego realizou entre 2018 e 2021.
A pesquisadora buscou estratégias para investigação genética e intervenção precoce na qualificação da atenção à saúde de indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo pelo sistema público de saúde em Goiás.
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular (Lagene) da Secretaria Estadual da Saúde, que funciona no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), em Goiânia.
Os resultados da pesquisa foram publicados em uma revista internacional, além da criação de um e-book e de uma cartilha sobre genética e autismo destinados a familiares e profissionais da saúde. Em junho deste ano será publicado um livro que inclui um capítulo feito por vários profissionais especialistas em autismo no Brasil. A professora participa do capítulo “Arquitetura genética do autismo”.
Estudos
Apesar dos avanços da ciência, Thaís diz que até hoje não foi totalmente esclarecida a causa do autismo. Segundo ela, pesquisas recentes publicadas em revistas de grande impacto, realizadas por grupos de colaboração internacional, reforçam a contribuição genética na causa do autismo.
“Em 2010, foi revelado pela primeira vez o peso do fator genético no TEA, com a comprovação de que o distúrbio é altamente herdável. Por outro lado, o estudo esclareceu que o transtorno não está ligado a apenas um único gene, mas seria o resultado de variações genéticas em múltiplos genes”, revela.
A pesquisadora diz que os estudos genéticos realizados nos últimos anos ajudam a entender parte da origem do TEA. “Já são cerca de 1.000 genes descritos que estão relacionados ao desenvolvimento do Transtorno do Espectro do Autismo, sendo 100 deles mais importantes. Vale lembrar que esses genes têm uma forte interação com fatores ambientais para o surgimento do autismo. Por estas razões, é um desafio para a ciência e para a medicina encontrar os genes e respectivas variantes genéticas de relevância clínica associadas ao TEA, para melhor compreensão de cada caso nas suas especificidades, pois cada indivíduo é clinicamente único”, explica.
Thaís diz que o número de autistas tem crescido muito nos últimos anos. De acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, o Transtorno do Espectro do Autismo atinge cerca de uma a cada 54 crianças.
A professora explica que o primeiro estudo científco consistente sobre o autismo foi feito pelo médico austríaco Leo Kanner em 1943, com o relato “Autistic Disturbance of Afective Contact”. Um ano depois, em 1944, um outro médico chamado Hans Asperger descreve sobre uma psicopatia autística infantil de alto nível que seria chamada posteriormente de Síndrome de Asperger. A partir da criação do primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), em 1952, pela Sociedade Americana de Psiquiatria, várias nomenclaturas foram aparecendo, culminando com a definição atual de Transtorno do Espectro do Autismo – TEA. “Pela atual conceituação do DSM-5, apesar de ser às vezes contestada por pesquisadores da área, pessoas que apresentam com TEA devem apresentar dois domínios afetados: a comunicação social e o comportamento com interesses restritos e estereotipados”, relata a pesquisadora Thaís Cidália. A comunicação – codificação e decodificação de uma mensagem -, segundo Thaís, é o primeiro critério que se apresenta alterado no TEA.
Nova pesquisa
Uma nova proposta de pesquisa coordenada pela professora Thaís Cidália está em desenvolvimento, numa parceria da UEG com o Lagene, o Crer e a Secretaria Estadual de Saúde para investigar os principais genes e suas consequências clínicas para qualificação da atenção à saúde de crianças com TEA em Goiás.
Segundo a professora, estão envolvidos neste esforço professores, pesquisadores, médicos, geneticistas e alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado da UEG, PUC e UFG. “A assistência multiprofissional do Crer e a realização dos exames e aconselhamento genético para as famílias têm sido fundamental para a ampliação da pesquisa”, garante a pesquisadora.
Sobre a pesquisadora
Thais Cidália Vieira Gigonzac é biomédica pela Universidade Federal de Goiás (UFG); pós-doutora em Genética; doutora em Biologia Celular e Molecular; e mestre em Biologia (Genética). É professora da Universidade Estadual de Goiás e docente permanente do Mestrado em Genética da PUC-GO. Geneticista há mais de 15 anos no Lagene/SES-GO e pesquisadora no Núcleo de Pesquisas Replicon/PUC-GO.


