A Igreja Presbiteriana do Brasil está completando 154 anos de sua fundação no País e 60 anos em Anápolis. E, ao longo desse período, enfrentou resistências até vir a se consolidar. Na entrevista que se segue, o Pastor Samuel Vieira, titular da Igreja Presbiteriana do Brasil em Anápolis, fala um pouco sobre essa história e as ações realizadas no campo social e da evangelização. Segundo ele, nesse momento que o País enfrenta transformações e mudanças de pensamento, é necessário não mudar de opinião, mas a forma como dialogar com a sociedade.
Claudius Brito
A Igreja Presbiteriana está completando 154 anos no Brasil e 60 em Anápolis. Qual balanço que dá para se fazer sobre o trabalho dessa importante instituição para a nossa sociedade?
Samuel Vieira – Sem dúvida. A Igreja Presbiteriana chegou ao Brasil ainda na época do império. E, num primeiro momento, enfrentou muita oposição. Mas, ao mesmo tempo, houve uma abertura porque Dom Pedro II foi muito receptivo à chegada da Igreja, pois era um liberal. O primeiro missionário que chegou ao Brasil foi Ashbel Green Simonton, da Pensilvânia (EUA), em 12 de agosto de 1859. E, de lá para cá nós estamos no Brasil com grandes instituições como a Mackenzie, que é uma das maiores universidades particulares da América Latina; o Instituto Presbiteriano Gammon; vários outros institutos e escolas. Além de vários hospitais como o de Mineiros (GO), Rio Verde (GO) e Dourados (MS) que são presbiterianos. E temos cerca de duas mil igrejas espalhadas pelo País inteiro. Desse total, 152 estão no Estado de Goiás.
Em Anápolis, como surgiu a Igreja Presbiteriana e como ela foi se consolidando ao longo doa anos?
Samuel Vieira – Eu não seria a pessoa mais indicada para falar sobre todas essas coisas, porque temos aqui pessoas muito mais qualificadas, verdadeiros acervos dessa história, como o Dr. Joe (Josiah Wilding) e Willian (Bill) Fanstone que têm muito conhecimento de tudo o que aconteceu. A Igreja Presbiteriana veio para Anápolis anexada ao Hospital Evangélico Goiano e, na verdade, o hospital, cujo fundador foi o médico e missionário James Fanstone, não tinha ideia de vir para cá originalmente. A intenção era parar em Vianópolis, que era a última parada do trem. Mas, eles enfrentaram oposições religiosas ali e, praticamente, foram expulsos de lá. Então, ouviram falar de Anápolis e nós fomos abençoados com a presença desse homem e o que veio a partir daí. Eles foram ícones da medicina aqui em Goiás. Com as respectivas famílias, largaram, na Inglaterra, nos idos de 1920 uma vida de conforto e vieram com a intenção de trabalhar com índios na Ilha do Bananal. Mas, em Anápolis, a Igreja Presbiteriana surgiu concomitante à Igreja Independente. Elas ficaram juntas por muito tempo e depois houve a separação natural e, aí então, foi fundada a Igreja no ano de 1953. Assim, nós estamos comemorando, agora, 60 anos.
E sobre os trabalhos sociais que hoje a Igreja desenvolve em Anápolis e região. Como estão estas ações, que são importantes dentro da instituição?
Samuel Vieira – Antes de falar sobre o trabalho social, vou falar sobre o trabalho geral. Todas as igrejas presbiterianas que existem na Cidade, ligadas à Igreja Presbiteriana do Brasil – aqui em Anápolis, elas se dividem entre três grandes segmentos: Independente, Renovada e Presbiteriana do Brasil – somos hoje 12 igrejas, com 2,2 mil membros. Nosso trabalho aqui tem várias frentes, como a Associação Bom Samaritano, que é responsável pela Escola Bom Samaritano, no Bairro São José, com cerca de 600 alunos conveniada com o Estado; temos a Escola Daisy Fanstone, no Recanto do Sol, com cerca de 700 alunos e estamos trabalhando para levar uma creche ali para aquele local; temos uma escola conveniada com o Estado e o Município numa área que foi cedida em comodato e temos o Albergue Bom Samaritano, que acolhe pessoas em trânsito e que não têm para onde ir. A coordenação dessas obras é feita pelo Bill Fanstone. Além disso, nós temos também uma parceria com o Projeto Resgate, no Filostro Machado, que é uma escola de reforço e que visa, também, o amparo às pessoas. Todos os anos nós fazemos os kits escolares para os meninos; existe um grupo de saúde e outro que faz o sopão, que é oferecido às crianças para que elas não passem privação nos sábados e domingos. Elas podem levar para casa em marmitas.
E em relação ao trabalho fundamental da Igreja, que é a evangelização, como está sendo realizado, qual é o balanço?
Samuel Vieira – Quando o trabalho começou, há 60 anos, a única igreja era a nossa. Hoje somos 12 e temos nas regiões próximas em Cocalzinho; Abadiânia; Pirenópolis e Corumbá de Goiás, que têm a influência da Igreja Presbiteriana Central. O balanço é bastante positivo, sim.
Hoje, no cenário em que o País vive, com as questões da violência, das drogas e o debate sobre a homossexualidade, está mais difícil para a Igreja exercer esse papel evangelizador, principalmente o jovem?
Samuel Vieira – Acho que não. A diferença é, apenas, de abordagem. Você tem métodos e formas diferentes de chegar às pessoas. Mas, o homem é um ser espiritual, ele tem sede do sagrado, do eterno, de Deus. Então, essas coisas estão muito arraigadas na alma humana e nós temos uma juventude que está muito desorientada. Ao mesmo tempo, é uma juventude que está muito aberta a Deus. Nós temos um acampamento (El Rancho) aqui próximo de Corumbá de Goiás, onde sempre levamos um grande número de jovens, alguns que estavam até envolvidos com drogas. E vemos que eles querem encontrar-se com Deus. Então, se há algum problema na evangelização hoje, ele está na capacidade de reproduzir o Evangelho e atualizar a mensagem, tornando-a acessível à mocidade.
Mas o senhor vê que hoje, dentro desse cenário de transformações da sociedade, é cada vez mais importante a presença da igreja para fortalecer a família?
Samuel Vieira – Acho que as igrejas têm apanhado dos dois lados pelas posições delas. Tanto a Católica, quanto a Evangélica. Tenho a impressão de que a Igreja seja um ponto de equilíbrio. A sociedade tem um pêndulo que leva a um lado extremo e tem um pêndulo do lado liberal. E tem um lado extremo que é o radical. E eu creio que a Igreja, dentro desses extremos, seja até um lado radical, de dizer que não é por aí; isso não vai dar certo; isso vai desintegrar a família. E, nisso, a gente vai apanhando dos setores liberais que acham que as reformas têm de ser feitas já. Eu creio que a Igreja ainda é a grande guardiã da moral – apesar dos erros que também cometeu na sua história – e da sacralidade da família. Nenhuma outra entidade luta tanto quanto a Igreja para que a unidade do lar seja mantida. É um diálogo entre a sociedade e a Igreja. Agora, a concessão não pode vir apenas de parte da igreja. Mas há coisa que querem que façamos concessões. Só que, não podemos. Existem coisas que a gente pode, digamos, negociar. Outras não. Gosto muito de um princípio que diz: – na essência nós temos que ter unidade; naquilo que é relativo a gente pode ter liberdade; mas em todas as coisas a gente precisa ter amor. E é esse o equilíbrio que a gente precisa ter. Mas, não sei se numa sociedade dialética, moderna, nós vamos conseguir juntar o pé com a cabeça. Eu defendo o direito que as pessoas digam o que pensam, mas eu não quero em nenhum momento ter constrangimento em poder dizer aquilo que creio. Acho que, hoje, existe a massificação de um determinado pensamento e quando você exprime uma posição contrária, parece que você é uma pessoa reativa. Penso que cada um tem a liberdade de dizer aquilo de discorda. Posso não concordar com o que você diz, mas defendo o seu direito de pensar. Esse é um dos fundamentos da democracia. Sem que provoque qualquer tipo de ódio, ou racial, ou sexual ou de gêneros. Não podemos radicalizar nesse ponto e nem devemos.
Qual mensagem o senhor deixa para a comunidade da Igreja Presbiteriana e para a comunidade em geral, nesta passagem dos 60 anos, que é um marco importante para Anápolis?
Samuel Vieira – Eu acho que a igreja sempre somou com o Município e sempre foi uma aliada do Estado. A nossa Igreja, como tem uma ênfase muito forte na questão educacional, cooperou muito com isso. Eu falei de algumas atividades nossas, mas outras igrejas têm, também, escolas e creches. Acho que isso é muito bom e essa é a nossa mentalidade, porque nós vemos o homem não apenas como um ser espiritual, mas um ser que sofre, que sente dores, lamentos; um ser de alegrias e emoções. E quando a gente pensa em bem estar, não é apenas o bem estar celestial. Nós não queremos, apenas, anunciar a mensagem de salvação que leve o homem ao céu, mas nós queremos também de alguma forma diminuir o efeito do inferno aqui na terna, trazendo o céu até os homens. Jesus nos ensinou exatamente isso, que a gente precisa evangelizar humanizando e humanizar evangelizando. Quando você pensa em humanizar sem o aspecto sagrado, aí se torna uma ONG, que tem o seu lugar. Mas, a Igreja não é uma ONG, é uma agência divina na terra. Todavia, ao mesmo tempo em que não é uma ONG, ela quer dar sinais de um novo tempo, dar sinais de alegria e de restauração. Esse é o nosso desafio.