A internação compulsória de usuários de drogas está prevista desde 2001, no artigo 9º da Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários”, reza o dispositivo.
A lei, que completa 12 anos no dia 06 de abril próximo, saiu do armário em razão da popularização do crack, uma droga barata e que circula nas mais diferentes camadas sociais. Nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, a internação compulsória tornou-se uma ferramenta para minimizar o drama de milhares de famílias que tentam salvar seus entes do vício, muitos deles, segregados nas chamadas cracolândias.
O alastramento do crack também é uma realidade hoje nas médias cidades brasileiras, como é o caso de Anápolis. E, consequentemente, a internação compulsória é uma medida que veio a reboque. A questão, tratada em audiência pública da Câmara Municipal, na última quarta-feira, 20, aponta que há muito caminho ainda a se percorrer para que, efetivamente, essa ferramenta possa cumprir o seu papel num meio a um arsenal de outras ferramentas que podem e devem ser implementadas para, prioritariamente, prevenir e também para remediar o usuário, com um tratamento adequado e o devido acompanhamento à família.
O promotor Marcelo Henrique dos Santos, membro da 9ª. Promotoria e Curador de Saúde, apresentou dados de 2011 encaminhados ao Ministério da Justiça, apontando 1,5 milhão de pessoas suscetíveis à dependência química no Brasil. O IBGE trouxe dados ainda mais recentes, colocando este contingente em 2,5 milhões. “Uma progressão abundante”, observou. Em Goiás – continuou, a estimativa é de 300 mil usuários de drogas, sendo 50 mil exclusivamente de crack.
Segundo o promotor, em Anápolis a internação compulsória começou a ser aplicada em 2010. Na 9ª. Promotoria, naquele ano, foram registrados 19 atendimentos (encaminhamentos para os Centros de Apoio Psicossocial – CAPs e casas de recuperação) e apenas 04 ações ajuizadas. Em 2011, o número de atendimentos passou para 52 e o de ações, para 22; em 2012, os atendimentos somaram 77 e as ações, 31 e, neste ano, já são 80 atendimentos e 03 ações. Esses dados excluem os casos envolvendo menores.
Marcelo Henrique ressaltou que os dados mostram uma escalada crescente do problema. Inclusive, ele relatou caso (sem citar nomes), de uma criança de oito anos de idade que tem interferido negativamente na sua coletividade por uma série de desvios e até prática de roubo. São para casos assim, extremos, que existe a internação compulsória. Mas, para que ela funcione, destacou o promotor, é necessário que a rede social de atendimento esteja estruturada. Ou seja, se não houver como dar atendimento aos dependentes e nem assistência à família e o acompanhamento social e psicológico para ambos, dificilmente, a medida surtirá o efeito que se espera.
Conforme Marcelo Henrique, embora ainda se tenha muito a fazer para que esta rede de acolhimento funcione a contento, já houve avanços como, por exemplo, a capacitação das casas de recuperação. O Juizado da Infância e Juventude, a Promotoria Pública, a ONG Cruzada pela Dignidade e a Fundação Frei João Batista Vogel, realizaram três seminários, visando melhorar estrutura o atendimento nas casas de recuperação, que prestam um serviço importante, disse, ao lado dos CAPs e do Hospital Espírita Psiquiátrico. Outro projeto, que está prestes a ser colocado em prática, é uma parceria com a Igreja Betesda, para atender os casos envolvendo crianças e adolescentes e também um projeto de inserção da família que, muitas vezes, embora também vítima, tem um papel fundamental no processo de recuperação e reintegração do dependente ao convívio social.
A audiência pública partiu de propositura da vereadora Mirian Garcia (PSDB). Em razão da amplitude do tema, ela informou que um novo evento deverá ser marcado, por intermédio da Frente Parlamentar de Combate às Drogas, recém-criada no Poder Legislativo local, com o objetivo de tratar, especificamente, da estruturação da rede de acolhimento.
Juiz desabafa: “não podemos perder essa luta para o mal”
O juiz da Vara de Infância e Juventude, Carlos Limongi Sterse, iniciou a sua participação na audiência pública com um desabafo: “As coisas são muito demoradas em nível de políticas públicas. Há mais de cinco anos que lutamos pelo Centro de Internação de Menores, que lutamos com a internação compulsória. O mal se organiza de uma forma tremenda e, porque o bem não age. Precisamos de menos palavras e mais ações”, conclamou.
O magistrado relatou que esteve olhando os relatórios de oito adolescentes que vieram a óbito. Num deles, constava “perfuração no crânio com arma de fogo”. Esta, e as demais vítimas, foram todas ceifadas por conta de relação com o uso e o tráfico de drogas. “Em Anápolis, nós estamos quase numa situação de faroeste. Não podemos perder esta batalha”, enfatizou Carlos Limongi.
Segundo ele, é necessário unir todas as iniciativas existentes e fazer com que haja uma integração de ações. “Não importa o nome de quem vai estar à frente, se é ‘A‘ ou ‘B‘, o que importa é o resultado”. Ele citou que o Gabinete de Gestão Integrada do Município terá um papel importante em todo este contexto, defendendo que, para funcionar, a rede de acolhimento deve primeiramente ter um centro de triagem. “Nem todos os casos de internação compulsória necessitam de internação, alguns poderiam ser tratados nos CAPs”, ponderou. Carlos Limongi lembrou que numa reunião, o Prefeito Antônio Gomide teria dado “carta branca” para criar essa estrutura. Ele reconheceu que muitos esforços têm sido feitos, “mas sabemos que as coisas não caminham com a velocidade que gostaríamos”.
Projetos sociais
O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Francisco Rosa, destacou que a Prefeitura de Anápolis tem, sim, adotado políticas públicas que, segundo disse, estão funcionando normalmente, exceto alguns casos pontuais que necessitam de ser mais bem trabalhados. Ele adiantou que a sua Pasta e a de Saúde, estão em vias de estruturar ações conjuntas e que o centro de triagem, cobrado pelo juiz, irá funcionar dentro em breve em um imóvel localizado na Rua 14 de Julho. Um dos programas do Município, citado, inclusive, como referência pelo juiz Carlos Limongi Sterse, é o Viva Vida, realizado nas dependências da antiga Escola Agrícola “Senador Marcos Freire” e que conta com o apoio das secretarias de Saúde, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação e Pastoral da Sobriedade da Associação Beneficente Jesus Libertador – ABEJEL. “Temos boa iniciativas, mas precisamos trabalhar mais”, desafiou Carlos Limongi.