Clima de apreensão em Anápolis quanto ao andamento da licitação do transporte coletivo, que se encontra suspensa pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. A TCA, única concessionária desde a implantação do sistema, em 1963, recorreu do resultado da proposta técnica (empate com o Consórcio Cidade de Anápolis constituído pela Viacap/Palmas e São José/Brasília), no quesito bilhetagem eletrônica, e aguarda o posicionamento do Ministério Público sobre a denúncia de ocupação de área pública (uma rua inteira) pela matriz do Grupo São José. A empresa deve recorrer, também, contra o resultado da proposta comercial, em que o CCA saiu vencedor com um lance 600% maior – oferta de outorga de R$ 27,5 milhões contra R$ 9,5 milhões – comprovadamente inviável, inexeqüível e incompatível com os objetivos da concorrência pública (contrato de concessão de dois lotes de linhas de 15 anos renovável por igual período).
A suspensão da licitação até final pronunciamento jurisdicional quanto a qualificação técnica das propostas apresentadas pelo Consórcio Cidade de Anápolis e o questionamento de sua declaração de disponibilidade de imóvel destinado à instalação de garagem para a execução dos serviços não indicam definição jurídica a curto prazo. Até porque cabe recurso em cima de cada recurso.
TECNOLOGIA DE SOBRA
No tocante à bilhetagem eletrônica, observe-se que a São José usa o sistema do GDF, que não poderá ser exportado para Anápolis, enquanto a Viacap domina em Palmas a tecnologia SBE, mas em quantidade insuficiente de veículos em operação, diariamente, conforme normativa editalícia. O egrégio TJ-GO determinou a suspensão do certame licitatório até que se comprova em juízo, por meio de julgamento da ação cautelar e principal originárias, a perfeita adequação técnica das propostas. Tramitação sobrestada pelo acatamento do desembargador Fausto Moreira Diniz.
Enquanto a TCA opera bilhetagem eletrônica de última geração em toda a sua frota ativa de 220 ônibus, o Consórcio Cidade de Anápolis terá que provar experiência anterior desta tecnologia, diariamente, em pelo menos 50 veículos, e explicar a omissão de informação relativa à ocupação da Rua I-10, no Bairro Cidade Jardim. O consórcio Viacap/São José pode ser penalizado por outorga além da conta. Licitação não é leilão. O edital 008/2010 da CMTT Anápolis textualiza que a oferta de outorga deve ser compatível com os objetivos do certame: pelos cálculos de especialistas, para reaver a oferta milionária, em 24 meses, o consórcio teria que reajustar a tarifa, imediatamente, para R$ 2,99.
OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA
Entrementes, aguarda-se o posicionamento do Ministério Público quanto à denúncia de ocupação de uma rua pela garagem da Expresso São José do Tocantins, disponibilizada em edital para a operação do sistema. Não bastasse ser uma falta desclassificante, uma vez que a rua não foi desafetada pela Câmara Municipal, considere-se que a São José incorreu também em falsidade ao deixar de informar, no bojo de sua proposta, que uma parte considerável do imóvel declarado como seu, pertence, de fato, à Municipalidade.
Ao se defender da acusação, a empresa alegou ao portal Rede Integrada de Transporte Coletivo que detém a permissão de uso originária da prefeitura, sem explicar a omissão desta informação na fase de habilitação. Constitui ilícito administrativo todo descumprimento de dever legal ou de regra previsto no edital de licitação, como “impedir, frustrar ou fraudar o procedimento licitatório, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem”. Utilizar de documento falso com vistas a participar de licitação é ato passível de sansões previstas no edital, sem prejuízo daquelas de natureza civil ou penal.
DOCUMENTAÇÃO FALHA
A proposta da Viacap/São José é omissa com relação à ocupação de área pública e inexeqüível e incompatível com os objetivos da licitação, na questão do montante da outorga. Questione-se, finalmente, o fato da Expresso São José do Tocantins ocupar área pública, há 28 anos, sem compensação ao Município, já que não há como pagar tributos pelo uso de uma rua.
Diante do imbróglio da licitação, a opinião pública aguarda a decisão judicial sem esconder preocupação com o futuro do sistema de transporte coletivo da cidade, considerado um os melhores do País. O Presidente da NTU, Otávio Cunha Filho, em matéria de capa da revista “Transporte Moderno”, e o blog “Meu Transporte” – o maior do Brasil – afirmaram recentemente que “Anápolis é referência mundial em transporte público”, enquanto a Diretora de Transporte da CMTT, Fernanda Mendonça, confessou à imprensa que a cidade tem folga de qualidade e que a licitação do transporte coletivo ocorre por imperativo da lei.
SOB O RISCO DA LEI
O diferencial do processo licitatório é que não há pressão popular para o fim do “monopólio” de 50 anos da TCA: nove entre dez clientes entrevistados no Terminal Urbano, ao vivo, revelaram a uma rádio local que o atendimento é bom e que não compensa correr o risco de um retrocesso.
Efetivamente, não compensa. Ninguém pode negar que a TCA está anos luz à frente da São José e da Viacap, em todos os níveis de avaliação. Não se trata de patrimônio líquido – dinheiro limpo – mas de inventário tecnológico, experiência adquirida, mão de obra de excelência, frota moderna e responsabilidade social e ambiental, referenciais que construíram a imagem da empresa e o seu vínculo com os clientes.
Pelo sentir da população, Anápolis tem orgulho de seu transporte púbico, mas enfrenta o risco de um retrocesso na prestação desse serviço essencial. O substantivo da lei coloca em jogo não apenas o futuro de uma empresa com mais de mil colaboradores e cerca de cinco mil dependentes, mas também a qualidade de vida de mais de cem mil pessoas que usam o ônibus para seus deslocamentos. Qualquer erro na licitação será um caminho sem volta.
Sua Excelência o Ônibus
Na vala comum do trânsito congestionado, o ônibus não anda. Sem privilégios, apesar da sua importância social, 200 coletivos disputam espaço nas ruas de Anápolis com 200 mil veículos particulares: cada ônibus transporta 60/80 pessoas por viagem – média diária de 3.750 passageiros – enquanto o automóvel carrega apenas 1,5 ocupantes. No País, 95% da população usuária do transporte, que não o particular, o faz por meio do ônibus.
O transporte coletivo merece todos os privilégios, mas nada obstante cada ônibus substituir em média 50 veículos particulares nas ruas, poucas cidades reconhecem o seu valor. Sem o ônibus não funcionam regularmente o comércio, a indústria, os hospitais e as escolas. Nem os bancos e as repartições públicas.
SE O ÔNIBUS PARAR A CIDADE PARA
Desafogar as vias do transporte coletivo através da implantação de corredores e faixas exclusivas para ônibus e da otimização do sistema viário, garante qualidade de vida à população de baixa renda e reduz acentuadamente os congestionamentos no trânsito. Transporte público eficiente atrai mais clientes e inibe o crescimento da frota de veículos particulares, porquanto abrir caminho para o ônibus não é contemplar a empresa concessionária do sistema, mas garantir futuro ao estudante, emprego ao trabalhador, acessibilidade ao aposentado e o direito de ir e vir aos que não dispõem de outros meios para seus descolamentos.
À beira do colapso, o trânsito de Anápolis será beneficiado a curto prazo pela implementação de corredores e faixas exclusivas para ônibus nos principais eixos do sistema viário. Nas faixas sinalizadas – não segregadas – o ônibus terá o próprio espaço, sem prejuízo para os demais veículos. Corredor viário estrutural com faixas preferenciais de transporte coletivo favorecerá não apenas o sistema de transporte público, mas o trânsito da cidade como um todo. Otimizará e racionalizará a utilização da infra-estrutura de transporte existente e beneficiará motoristas, passageiros, motociclistas, ciclistas e pedestres. Permitirá que uma mesma frota possa fazer mais viagens diárias. Os ônibus passarão a enfrentar menor obstacularização por tráfego lento e não necessitarão fazer manobras evasivas para desviar de outros veículos.
Resultado: viagens mais rápidas e melhor qualidade de vida.
A TCA dá início às viagens programadas, na hora certa, através do sistema “troca linha”, totalmente informatizado, sem participação humana, e assegura o embarque rápido com a bilhetagem eletrônica. Na rua, todavia, os congestionamentos estrangulam a precisão cirúrgica conquistada em décadas de projetos e investimentos.
É realmente oportuno, oportuníssimo, inserir Anápolis na era do corredor de ônibus e da faixa exclusiva para o transporte coletivo. Sua Excelência o Ônibus pede passagem, em nome do crescimento sustentável e da qualidade de vida.