José Aurélio Mendes
Vander Lúcio Barbosa
O desabafo da mãe de um deficiente auditivo de Anápolis, levanta a questão da real capacidade da sociedade diante a inclusão
“Muitas pessoas acreditam que ter um filho com alguma deficiência seja uma decepção. Mas isso não é verdade. Filho é dádiva de Deus e eu vibro e sinto muito orgulho com cada conquista que ele tem”, diz a assistente administrativa Rosana Neves. Ela, como dezenas de outras mães de deficientes auditivos em Anápolis, tem uma história de muita luta contra o preconceito e pela inclusão do filho na sociedade. Em entrevista exclusiva ao CONTEXTO, ela narra as dificuldades do passado que ainda existem hoje, principalmente na iniciativa privada.
Ex-moradora de Ipameri, interior de Goiás, Rosana soube que o filho não ouvia quando ele tinha nove meses. Quando um despertador tocou, a prima da mesma idade olhou em direção ao barulho, enquanto ele permaneceu impassível. A suspeita foi confirmada por um médico de Catalão em 1994. Entretanto, não havia na cidade condições de determinar a extensão do problema. No ano seguinte, em Uberlândia-MG, ela descobriu que a audição era zero nos dois ouvidos. A possibilidade de uma cirurgia reparadora alimentou esperanças por algum tempo.
Moradora de fazenda, Rosana não tinha acesso a muita informação. Mas não desistiu. Levou o filho a São Paulo, onde a hipótese foi descartada. Daí em diante, passou a conviver com uma luta solitária para ensinar o filho a falar. Não da forma como as pessoas falam, mas apenas emitindo algum som enquanto articula a boca, tornando bem mais fácil a comunicação com quem não sabe a língua de sinais. “Com ele muito novinho eu passava um batom bem vermelho e movia os lábios para ele fazer igual, enquanto mostrava também determinado objeto. Colheres, copos, uma vaca no pasto. Colocava as mãozinhas dele no meu pescoço, para que sentisse a vibração das minhas cordas vocais. Ele foi aprendendo a fazer isso ao invés de apontar o dedo para as coisas e nossa comunicação fluiu melhor”, explica.
Em seguida, o alfabetizou, ensinando ainda a fazer as principais operações matemáticas. “Foram anos de dedicação diária. A falta da audição atrasa muito o aprendizado porque a cognição fica prejudicada”, relata. Depois disso, ela veio para Anápolis, onde matriculou o filho numa escola. Dias depois, a diretora a chamou para dizer que não era possível que ele continuasse frequentando as aulas. Felizmente, no ano seguinte, a Lei da Inclusão passou a ser aplicada no município e ele concluiu o ensino fundamental na Escola Municipal Zeca Batista. De lá, foi para o Colégio Ely Alves, onde terminou o ensino médio. Nas duas escolas, a presença de um intérprete foi essencial. “Eram dois ônibus pra ir e dois para voltar, mas valeu muito à pena”, relembra.
Sociedade despreparada
Maikson Estrela Nunes, fez o Enem e tirou nota 920 na redação, um orgulho para a mãe. Foi admitido numa faculdade particular, o primeiro da instituição nessas condições, mas o intérprete foi pago por Rosana. “Nenhuma faculdade estava preparada para isso na época”, recorda. Vencida mais essa etapa, Maikson cursa hoje, aos 26 anos, pós graduação em Libras pela Universidade Federal de Goiás. “Ele, assim como todos os deficientes, são capazes de crescer, realizar sonhos e contribuir com a sociedade, desde que a sociedade saiba conduzí-los em suas necessidades especiais, algo para o qual ela, ainda hoje, é quase totalmente despreparada”, desabafa.
Rosana se refere primeiro ao preconceito. Segundo ela, por não saberem lidar com uma deficiência, as pessoas naturalmente preferem se afastar. Isso limita o alcance social do portador de limitações. “Se todos se colocassem no lugar de um surdo, saberiam que ali está uma pessoa que tem as mesmas necessidades de afeto, atenção e oportunidades”, sugere. A assistente administrativa ainda cita as empresas privadas que, em sua maioria, não admitem pessoas com deficiência. “As portas ainda são fechadas para elas. Não existe essa consciência de inclusão, como muitos acreditam haver. Falta muito para isso”, conclui.
Mudanças lentas
Mesmo assim, Rosana acredita na mudança. “Uma mãe faz tudo pelo seu filho. A sociedade deveria enxergar os deficientes como seus filhos, procurando equilibrar as diferenças com oportunidades, paciência e amor. Vejo algumas mudanças, muito lentas, mas acredito que o processo vai se acelerar, na medida em que haja informação e sensibilidade por parte dos tomadores de decisão, na implantação e exigência do que diz a Lei da Acessibilidade”, explica. Ela acredita que vem cumprindo o seu papel na formação do filho e vibra com essa conquista, mas o verdadeiro desafio vem agora, com o mercado de trabalho e as inúmeras situações enfrentadas por quem quer adquirir independência. “Meu filho ainda tem muito a enfrentar, mas já é um vencedor”, diz Rosana.