Mais de 132 anos já se passaram desde o fim da escravidão no Brasil, mas ainda enfrentamos um abismo no que diz respeito à vidas pretas e brancas no nosso país. Aqui, pretos e pardos correspondem a 56% da população. Mas, ainda assim, são minoria em cargos de tomada de decisão. Isso porque, de acordo com um estudo sobre Desigualdades sociais por cor ou raça feito pelo IBGE, eles ocupam apenas 29% dos cargos de gerência em empresas brasileiras.
E se formos olhar as estatísticas por outra ótica, fica claro como é grande a desigualdade. Dentre os 10% dos brasileiros com menor renda familiar, 75% deles são negros. Ainda segundo o estudo, uma pessoa preta também tem 2,7 vezes mais chance de ser vítima de homicídio que uma pessoa branca.
Infelizmente as atrocidades que aconteceram há pouco mais de um século no Brasil deixaram marcas que persistem até hoje em nossa sociedade, seja no acesso à educação, à saúde e à qualidade de vida. Digo isso porque quase metade dos negros aqui vivem sem, sequer, com saneamento básico, ou seja, água potável e esgoto. É claro que este problema não é realidade apenas para a população preta, mas é bom deixar claro que o percentual é claramente menor entre os brancos: pouco menos de 27%.
Só que os problemas não param por aí. Há mais negros fora do mercado de trabalho do que brancos, os negros são a maioria entre os analfabetos, e as chances de um jovem negro entrar na faculdade é bem menor que um jovem branco – mesmo com o aumento de incentivos dos últimos anos por meio de cotas. Em 2018, por exemplo, 80% dos brancos com idades entre 18 e 24 anos ingressavam no ensino superior, enquanto esse percentual caía entre os negros para 56%.
Muitos negam essa realidade e afirma que não existe racismo e desigualdade no Brasil, mas é preciso reconhecer que o grande problema do nosso país é estrutural, ou seja, vivemos em uma sociedade estruturada no racismo. E, diante disso, muitos podem estar se perguntando: como não ser racista em um país com tantos contrastes sociais? Ainda mais em um Brasil em que as pessoas são encorajadas a atravessar a rua quando cruzam com uma pessoa de cor, e que quase não colocam pessoas negras em destaque, seja na publicidade ou em cargos importantes. Falta representatividade, e isso é apenas o início do problema.
Em um discurso em 1979, na Califórnia, a ativista Angela Davis disse uma frase que até hoje ecoa nos movimentos sociais de todo mundo: “Numa sociedade racista, não adianta só não ser racista. Nós devemos ser antirracistas”. E eu levo isso para a minha vida porque acredito que é o primeiro passo para mudarmos essa realidade.
Parece óbvio, mas não é. O que Davis quis dizer naquela época é que não basta a gente não ser preconceituoso. Isso é pouco e quase não faz diferença. Precisamos de mais pessoas ativas nessa causa, independente se é preto ou branco. Eu, como uma pessoa parda, já senti em muitas situações uma certa exclusão e sinto que essa luta é minha também.
É um compromisso diário que vai desde cobrança de mais políticas públicas de combate à exclusão de pessoas pretas até o reconhecimento de trabalhos de pessoas de cor. Por fim, é preciso entender que a luta antirracista não cabe apenas às pessoas negras, mas a todos nós. Só assim vamos construir uma sociedade mais justa.