Sistema que nasceu nos anos 50 e 60, dinamizado pela criação do, hoje, extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), principalmente durante o governo militar, a formação de grandes conjuntos de moradias ainda é tema de debates e polêmicas, justamente devido à complexidade de que se reveste. A colocação, de uma só vez, de centenas (em alguns casos milhares) de famílias em uma única região, produz conflitos sociais de grande alcance, grande parte demorando, até, décadas para serem equacionados. O crescimento populacional brasileiro, um dos maiores da América Latina ao longo da última metade do Século XX, determinou aos governos, de uma forma geral, a necessidade de se criarem espaços para se abrigarem as novas famílias que foram surgindo. Acrescentou-se a isso, a migração, ou êxodo rural, com mais de 70 por cento da população do campo se transferindo para as cidades, a esmagadora maioria em busca de dias melhores como educação, saúde e emprego. E, a maior parte dessas famílias veio sem qualquer estrutura econômica para se fixar nas cidades, passando a viver nas periferias, formando favelas e invasões (hoje ocupações urbanas) gerando muitos problemas sociais.
A implantação dos conjuntos habitacionais foi a forma encontrada para uma tentativa de se exterminarem as favelas nos grandes centros, o que, entretanto, não surtiu os efeitos desejados. Ocorre, todavia, que a corrente defensora do sistema tem alegado, ao longo das décadas, que “ruim com os conjuntos habitacionais, pior sem eles”, numa alusão de que o problema poderia ser bem maior. A tese defendida pela maioria dos governos (Federal, estaduais e municipais) é de que os conjuntos habitacionais, em que pese os problemas que geram, são a forma mais racional de se equacionar o déficit habitacional no País. Entendem eles que com a aglomeração compacta de pessoas, os benefícios públicos (escola, hospital, transporte urbano) são mais práticos, pois atendem a um maior número de pessoas de maneira mais efetiva e rápida. Para eles, conjuntos menores exigiram a multiplicidade desses benefícios.
Não é assim, entretanto, que pensam os críticos do sistema. Para eles, ao formarem os chamados grandes conjuntos, os governos, também, aglomeram os problemas. Ocorre que, para eles, se mudam pessoas das mais diferentes índoles; com hábitos diversificados, com culturas e costumes variados, o que gera, em primeira análise, uma série de conflitos. A assistente social Fernanda de Assis Coutinho, que trabalhou junto ao Governo do Distrito Federal em assentamentos e núcleos habitacionais, por 20 anos, diz que “os problemas são incontroláveis. A assistência oficial não chega em quantidade e em qualidade satisfatórias. As triagens dos ocupantes desses núcleos não detecta vícios e erros crônicos, como a presença de grupos criminosos; pessoas com moléstias contagiosas e saqueadores em geral. Essas pessoas vão morar, todas, em um espaço reduzido e têm contatos muito próximos e repetidos. Surgem, dessa situação, os casos de prostituição infantil, crimes contra a pessoa, ausência de melhor assistência médica, a falta de escolas e outras deficiências que vão demorar décadas para serem resolvidas. Quando são”, alega a especialista.
Situação em Anápolis
Parte do que está colocado pela assistente social pode ser atestada na atualidade. Em Anápolis, por exemplo, os números oficiais apontam que grande porcentagem dos problemas de ordem social, origina-se, realmente, desses núcleos. Recentemente, o Conjunto Copacabana, com mais de 1200 famílias, entregue há poucos meses, está no centro de uma grande discussão, exatamente com estas justificativas. As famílias se transferiram para o local aonde, ainda, não haviam sido disponibilizados os aparelhos e equipamentos públicos para o atendimento satisfatório das necessidades básicas, como escola; creche, posto de saúde, posto policial e outros. Resultado: muitos problemas de ordem pessoal, conflitos de proporções variadas, inclusive extremos, como assaltos, assassinatos, etc., tendo em vista, justamente, a diversidade da população que se concentrou naquele local. O assunto ganhou destaque depois de ser discutido no Plenário da Câmara Municipal, com alguns vereadores questionando a entrega do núcleo sem a devida estruturação. E, o temor aumenta por conta de outros conjuntos, com as mesmas proporções, que estão sendo preparados para receberem centenas de famílias de uma só vez. É o caso do Residencial Leblon, na região Leste da Cidade, para onde devem se transferir mais de 800 famílias. Lá, também, ainda não existe a estrutura considerada ideal para a habitabilidade plena. Esses conjuntos são edificados com recursos do Governo Federal, e a contrapartida das prefeituras, sendo vendidos a preços subsidiados às famílias mutuárias. Ocorre que, entregue o imóvel, fica por conta dos governos municipais, o suprimento e a adequação de projetos urbanísticos o que, em muitos casos, não pode ser feito em tempo suficiente. Os benefícios vão sendo implantados aos poucos, dentre eles a construção de escolas, postos de saúde, instalação de postos e delegacias policiais dentre outros. E, enquanto isso não ocorre, os conflitos se multiplicam.
Histórico
O primeiro conjunto habitacional edificado em Anápolis foi o do IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários), no final da década de 50. À época ele ficava em região remota, também longe dos recursos do chamado centro urbano. Hoje ele está em uma região considerada semi-central de Anápolis, cercado de todos os benefícios urbanísticos. Depois do IAPC, vieram: Vila Formosa I Etapa; Raul Balduíno; Nações Unidas, Village Jardim e outros. No decorrer do tempo surgiram conjuntos para a chamada classe média, como Vila Verde, Village Cardoso e diversos outros, estes já com uma carga menor de problemas sociais. Ainda, na década de 80, edificou-se, pelo regime de mutirão, a Vila Esperança, cujas casas foram doadas a pessoas escolhidas pelo serviço social da Prefeitura. De igual modo, no início da década de 90 surgiu o Conjunto “Filostro Machado”, com mil casas, também ofertadas gratuitamente a pessoas selecionadas pela Prefeitura. Neste conjunto, por muitos anos, registrou-se o mesmo problema social das grandes aglomerações, com forte índice de violência e uma série de outros transtornos. Hoje, passados 20 anos, ampliado em mais mil casas, o “Filostro Machado” ainda registra alto índice de problemas, devido, justamente, à diversidade de seus moradores.