Contexto: Como o senhor gostaria de ser intitulado: professor, escritor, doutor…?
Professor João Asmar: Doutor eu nunca fui. Mas professor, o destino, me colocou nesta posição, em decorrência do desejo de me aperfeiçoar.
Contexto: Sua família chegou a Anápolis em uma época em que no Brasil havia forte rejeição aos estrangeiros. Como foi isso? Quem foram os seus pais e de onde vieram?
Professor João Asmar: Meus pais, Abrahão Jorge Asmar e Amina, eram libaneses, naturalizados brasileiros e desembarcaram no Rio de Janeiro em 1910, sem conhecer ninguém e sem dinheiro. Ficou por dois meses até vir para Ipameri, onde permaneceu por quatro anos. Depois passamos para a, hoje, Silvânia. Encontramos, sim, dificuldades para adaptação. Tivemos que vencer o problema da discriminação. Mas, logo depois tivemos uma acolhida muito boa.
Contexto: Como foram suas atividades na infância e adolescência em Anápolis?
Professor João Asmar: Aos dois anos de idade sofri paralisia infantil. Graças ao milagre da sobrevivência, minha mãe me doou ao Pai Eterno. Lembro-me quando ela me levou à Trindade, numa mula muito bonita, que foi tomada do meu pai por Luis Carlos Prestes (Militar e político comunista, líder da “Coluna Prestes”, que percorreu uns 25 mil quilômetros pelo interior do território brasileiro fazendo propaganda contra o Governo), que levou ainda um cavalo de meu irmão. Eu, sempre tive o conceito que Prestes era ladrão de cavalos (risos de ambos). De Trindade, eu lembro-me de uma cena: estávamos no quintal da pensão e apareceu um bicho tremendamente grande e falou para mim: ‘eu vou te comer‘. Desmaiei. Depois fiquei sabendo que era um Peru: ‘guruguruguruguru‘ (risadas). Nos estudos fiz o curso primário com os professores Lindolfo de Souza, Segismundo Batista e Nicéphoro Pereira da Silva.
Contexto: E na fase adulta?
Em 1942, antes de completar os 20 anos, como presidente da Congregação Católica Mariana ajudei a fundar a primeira escola de alfabetização de adultos de Anápolis. Lembro-me que um homem chamado Tonico, negro, que não conseguia escrever. Um dia Tonico me confidenciou: “O senhor peleja, peleja comigo, eu custo aprender. Mas quando eu chego em casa, a mulher está me ensinando”, disse. Acontecia é o seguinte: Tão logo chegava em casa depois da aula, ainda com a memória fresca, ele dizia para a mulher sobre o que tinha visto em classe. No outro dia, de madrugada, antes do trabalho, eles recordavam, juntos, a lição. Aquilo me motivou, marcando, assim, a minha entrada no magistério. Nasceu ali, de vez, o professor João Asmar. De 1944 a 1967 lecionei nos Colégios “São Francisco”, “Brasil Central” e Escola Técnica do Comércio. E nos cursos superiores de 1965 a 2007, lecionei na Faculdade de Ciências Econômicas de Anápolis, UNIANA (hoje UEG), Faculdade de Direito de Anápolis (UniEvangélica) e na Faculdade Latino Americana (atual Anhanguera).
Contexto: Fale sobre o papel que os árabes, segundo o seu entendimento, representaram para a evolução econômica de Anápolis.
Professor João Asmar: Os primeiros imigrantes que chegaram ao Brasil foram colocados nas lavouras de café, em São Paulo. E o que ganhavam não dava para o sustento. Eles perceberam que, nos armazéns onde eles se abasteciam, os preços eram exageradamente maiores dos que os praticados no mercado. Cobravam deles dez mirreis por uma botina que custava dois. Então, os patrícios descobriram as fábricas e passaram a comprar a botina para vender aos amigos das fazendas. E davam prazo. Quando esgotou o mercado na cidade, eles foram para a zona rural. Foi isso que meu pai exercitou. Em Ipameri, ele viajava pelo município inteiro com um animal cargueiro e as mercadorias. No começo, dormiam no paiol, longe. Depois, na segunda, terceira viagem, já dormiam junto com os empregados. Da quarta em diante já eram recebidos como amigos. Eram acomodados no quarto dos hóspedes, comiam na mesa com os fazendeiros e adquiriram o compadresco, passaram a batizar os filhos e reciprocamente. Meu pai, quando morreu, tinha mais de 200 compadres na região do município. Então, a introdução dos árabes aqui em Anápolis teve uma influência fundamental.
Contexto: Como se deu seu ingresso na advocacia?
No início dos anos 50, eu prestava serviço aos padres franciscanos. Num encontro com o bispo diocesano em Goiânia, Dom Emanuel Gomes, ele me disse: ‘porque vossa mercê não entra na Faculdade de Direito?‘ Entrei na faculdade em 53, saí em 57. Antes de me graduar, eu já era visto por aqui como advogado de alguns. Optei pela área criminal e durante a carreira foram 253 juris. O último foi em 30 de janeiro de 2014. Fiz júri no Amazonas; Pernambuco; Rio de Janeiro; São Paulo; Minas Gerais, Mato Grosso… Nunca defendi ladrão, pistoleiro e estuprador. Nunca advoguei contra a minha consciência cristã e nem no sentido de só ganhar dinheiro. Logo no início da advocacia, eu já ganhava muito dinheiro e percebi que isso me corrompia, mudando a minha trajetória. Então fiz um propósito de uma vida mais regrada, assumindo que desde que eu tivesse o agasalho para cobrir minha nudez, o teto em que me abrigasse da chuva e do frio, o pão de que eu alimentasse, dar-me-ia por satisfeito. Só quis o essencial ao padrão da minha profissão. Expliquei isso à minha mulher, o que ela acolheu como norma de qualidade. E nós vivemos bem por 41 anos, cinco meses, vinte e três dias. Vivi no céu, casado.
Contexto: O seu currículo é vasto. Contabilista; jornalista; escritor; advogado; professor; agropecuarista; classista; político. De onde vem tanta energia para o trabalho?
Professor João Asmar: Certa vez, o doutor Laurentino, que era meu assistente, falou: “eu fico admirado com sua energia”. E há pouco tempo, numa solenidade com o Adhemar Santillo, ele, se referindo a mim, falou que não sabia de onde eu tirava esse vigor. Tirei do hábito. Eu nunca fiquei à toa um pedaço do dia. Sei carpintaria, marcenaria e outros ofícios desde pequeno. Aprendi a lidar com as ferramentas de madeira, de encanamento, de eletricidade. Eu tenho uma noção genérica de tudo. Tanto que o Eurípedes Junqueira, quando visitou a minha chácara e viu a estrutura, falou: “você não deveria ser professor, nem advogado. Você deveria ser engenheiro. Minha mãe era extraordinária, habilidosa em tudo. Herdei isso da minha mãe”.
Contexto: O senhor atuou ativamente da política partidária. Foi vereador (PSP) em Anápolis na legislatura 1955/58. O que ficou marcado dessa época?
Professor João Asmar: A colônia árabe queria um representante na Câmara. Faltavam catorze dias para a eleição quando aceitei concorrer. Fui o quarto mais votado. O governo do Estado foi assumido pelo Juca (José Ludovico de Almeida (PSD), que se esqueceu de Anápolis. A cidade não tinha energia elétrica, esta estrada que, hoje, liga Anápolis a Goiânia, estava com as obras paralisadas a 14 quilômetros daqui. Não tinha telefone. Eu era amigo do Alfredo Nasser (Político goiano: deputado estadual, federal, senador e ministro da Justiça). Quando ele vinha a Anápolis se hospedava em minha casa. Numa madrugada falei a ele sobre o caos que havia se instalado em nossa cidade. Ele disse: “Eu tenho amigos no Governo e vou providenciar uma agenda para Anápolis”. O resultado é que o Governo do Estado recebeu a adesão do prefeito (Carlos de Pina) e de mais três vereadores. Eu não aderi. Isso repercutiu, e o Juca mandou o chofer dele, João Amélio, me pegar e levar ao Palácio. Lá falou: “Você está dando uma demonstração de hombridade, de coragem e amor cívico. Eu vou me servir do senhor lá. Porque os que estão chegando estão querendo alguma coisa”. Diante disso, o Juca estabeleceu uma amizade comigo de tal maneira, que o hoje Colégio Estadual José Ludovico conseguimos graças a essa relação. Por fim, o Juca resolveu o problema da energia, encampou o telefone, instalou dois mil telefones automáticos, pavimentou a pista de aviação.
Contexto: Porque o senhor foi político de apenas um mandato?
Professor João Asmar: Eu fui forçado a deixar a política, porque reprovei as contas do prefeito da época (Carlos de Pina – 1955/59) que dizia ter construído uma ponte em Souzânia. Eu fui lá, tirei fotografia, não tinha ponte. E mais: na contabilidade da Prefeitura constava doze mil contos na tesouraria. Não tinha nada, só no papel. Os garis, os funcionários mais baixos não recebiam os seus salários. Reprovamos as contas por oito votos a sete. Com isso, os inimigos políticos quiseram me matar. Meu pai, que ainda era vivo, me passou um revólver e disse: “Filho, defenda a sua lide, honre a sua dignidade e a da nossa família. É preferível passar sobre o seu cadáver, mas não deixe passar sobre a sua honra”. Graças a Deus não foi preciso se chegar a tanto.
Contexto: O senhor participou do movimento que defendia a mudança da Capital da República para o Planalto Central. Como foi isso?
Professor João Asmar: Representei a ACIA na convenção nacional das associações comerciais que se realizou em cinco de abril de 1956, em Porto Alegre. Um dos temas foi “Mudança da Capital Federal”. Apresentei a nossa tese, aprovada por unanimidade. Na discussão em plenário, teve oposição do Rio de Janeiro. E um sujeito caiu na bobagem de dizer que faltava competência ao país para mudar aquela capital. Eu virei uma fera lá e esbravejei: “Se o Rio de Janeiro reconhece que falta competência aqui, que se dê procuração a um caboclo de Goiás, Jose Ludovico de Almeida, que fará a mudança da capital, como fez em Goiás. E nós teremos então a capital austera que o povo deseja; e não a capital das desmoralizações como ora acontece no Rio de Janeiro”. Aplauso geral. O jornal O Globo no outro dia deu manchete: ‘as classes comerciais clamam por uma capital austera‘. No dia que deveria assinar o documento de mudança, o Juca mandou me buscar em casa para assinar como testemunha lá no Palácio. Mas quando o avião do presidente JK chegou a Goiânia, ele rodou, rodou… a cidade estava coberta de neblina no aeroporto. Então ele desceu aqui em Anápolis e não pude testemunhar o ato.
Contexto: Professor, em algum momento o senhor ficou desapontado com esta cidade e com o seu povo?
Professor João Asmar: Não, nunca com a cidade, nem com o seu povo. Tive desapontamentos com muitos de seus representantes políticos. Ainda hoje.
Contexto: Faltando exatos três meses para os seus 93 anos de idade, o senhor continua atuante, escrevendo livros. Quantos são e quantos ainda mais serão?
Professor João Asmar: Escrevi e publiquei doze. O mais pesado deles, o mais positivo, é o da Maçonaria. Porque é um fato interessante: eu ingressei na Maçonaria no dia 07 de agosto de 2010, já na idade avançada (88 anos). É o seguinte: em 1941, o Ovídio Camargo era meu colega, filho do Tobias Camargo, que era maçom. Ele me deu para encadernar os manuais, os rituais maçônicos, do um ao 18. Eu encadernei, mas li aquilo com uma voracidade… Fui impedido de entrar na Maçonaria, digamos assim, por dois motivos. O primeiro, para não desapontar o Monsenhor Pitaluga, porque eu devo a ele minha formação religiosa e moral. E ele tinha lá os seus preconceitos contra a instituição. Depois, em 1962, quando me casei, fiz um pacto com minha mulher de que onde eu fosse ela poderia estar presente. Então, se ela era viva não poderia frequentar a Maçonaria, eu também não poderia. Por essas razões só entrei depois que o amor de minha vida faleceu.
Contexto: Muitos de nossos leitores, certamente, têm curiosidades sobre os segredos que cercam a Maçonaria. Conte-os para mim. Publico no CONTEXTO nas versões impressa e digital, com a palavra de não revelar isso pra mais ninguém!
Professor João Asmar: (Risos) Vou te contar a verdade. Não tem segredo nenhum. Esse segredo é dos antigos construtores, arquitetos e engenheiros de grandes obras. Eles escondiam como talhavam e colocam as pedras e outras peças nas grandes edificações etc. Então, era recomendado aos pedreiros antigos, que não eram maçons, guardar os segredos de arquitetura, nada mais. E os aprendizes e o mestre de obra juravam fidelidade pelo período de sete anos, tempo em que não podiam deixar a obra mediante contrato.
Contexto: O senhor é dono de uma invejável memória. Que fato pitoresco ou curioso marcou sua vida?
Professor João Asmar: Vou contar uma coisa: há três anos, quando Goiânia completou 72 anos, fizeram a eleição no Instituto Histórico e Geográfico, União Brasileira de Escritores – que eu faço parte do Oriente Médio – Academia Goiana de Letras e escolheram 72 pessoas que contribuíram para o bem de Goiás e de Goiânia. E elegeram a mim como memorialista de Goiás. E tem a minha mão esculpida em um bloco de concreto na Praça da Inspiração, lá em Goiânia. Mas eu nunca fui vaidoso de querer me engrandecer. Porque já ganhei as minhas medalhas aqui. Por exemplo: eu sou benemérito do tiro-de-guerra; ganhei Medalha Henrique Santillo da Câmara Municipal; a Gomes de Sousa Ramos; a Zeca Batista; o Troféu de Educador Emérito da Prefeitura; Troféu de Cidadania da Prefeitura; Benemérito da Igreja Ortodoxa; fizeram uma homenagem aqui há pouco tempo; da Santa Casa e da Associação Educativa Evangélica. São tantas as honrarias recebidas, que considero um tributo natural.
Contexto: O senhor foi um dos fundadores do Lions Clube de Anápolis, em 1963. Qual é a importância de o cidadão participar de organizações ligadas às atividades classistas?
Professor João Asmar: O Lions Clube e o Rotary são filhotes da Maçonaria, com a mesma filosofia de prestar serviço ao próximo. Eu aprendi que dar é muito mais sublime e mais compensador do que receber. Agora, o que eu dei, você nem queira saber como isso deixou feliz… E, assim, o que eu acumulei, eu dei para os outros. Eu tenho encadernado, mais de cinco mil declarações de ex-alunos sobre as aulas que eu dei. Inclusive, Vander Lúcio, eu tenho uma sua, dos tempos de sua faculdade de Direito. Muito me honrou ter sido seu professor.
Contexto: Para encerrar, que futuro, então, o meu professor prevê para Anápolis?
Professor João Asmar: Anápolis vai se projetar internacionalmente. Nosso Aeroporto Internacional vai abrigar os aviões de grande porte que vêm de longe. O Centro de Convenções é maior que o de Goiânia. Nós temos um Base Aérea com tecnologia de ponta. Temos uma estação aduaneira. Temos a forte rede educacional. Temos um Distrito Agroindustrial forte e a promessa do DAIA 2. Nosso povo é ordeiro e educado por formação. Não temos mendigos. O povo tem um conhecimento operário muito grande. E esse espírito que você prega no jornal, no Rotary e em seus discursos, Vander Lúcio, de independência, está dando um resultado magnífico. Você nem queira saber o quanto hoje você e os seus liderados influenciam em nossos destinos.
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