Sorriso nos lábios, cabelos presos e com os pés digitando habilmente um e-mail para uma amiga. É assim que Kathrein Moura Faria, de 18 anos foi encontrada antes de falar ao Jornal CONTEXTO. Nascida sem os braços por conta de um problema genético, a jovem estudante de Direito é um modelo de superação.
Ela lava; passa; cozinha; escreve; toma banho; arruma os cabelos; veste roupa; trabalha; canta na igreja; paga conta nas lojas, paquera e vai a festas, dentre outras atividades. Ou seja, faz todas as coisas como qualquer pessoa. No entanto, ela mesma afirma: “posso fazer tudo, mas é com os pés e tenho neles a força de que necessito para executar todas as tarefas do dia-a-dia”.
Segundo Kathrein, a mãe não quis deixá-la isolada e, por isso, desenvolveu tantas habilidades com os pés. “Estudei em escola pública, tive uma rotina normal como qualquer outra pessoa; brinquei com outras crianças e fui aprendendo a fazer as tarefas de casa”, contou.
Kathrein Moura confessou que por causa da deficiência teve que amadurecer muito rápido. “Já passei por momentos de preconceito e, hoje, com 18 anos, encaro isso de modo normal, principalmente, porque as pessoas passaram a perceber que mesmo sem os braços não tenho limitações para trabalhar, viver e conquistar meus objetivos”, disse fazendo uma crítica às pessoas que possuem todos os membros “e ainda reclamam da vida”.
Opção
A falta dos braços tem uma explicação científica: é uma deficiência genética. Mas, a estudante disse nunca ter procurado um médico para tentar uma prótese ou algo semelhante. “Se tenho as habilidades com os pés, para que preciso das minhas mãos?”, questionou e logo respondeu que isso a atrapalharia a conquistar novos movimentos com os pés.
A estudante afirmou que quando passou a entender a deficiência genética, não foi necessário questionar a mãe sobre a doença, mas garante que sabe do sentimento dela. “Com certeza pra ela foi um choque quando eu nasci, mas ela não desistiu de mim e me incentivou a fazer tudo”, garantiu.
Mesmo com uma irmã mais nova, de 17 anos, com quem, segundo ela, briga, coisa mais do que natural em qualquer outra família, Kathrein se sente igual e até mesmo mais confiante nas coisas que faz para conquistar os objetivos. “Somos iguais e somos amigas, brigamos às vezes, mas nos apoiamos uma na outra”, garantiu.
Para ela, esse apoio da família foi e é o mais importante, principalmente da tia Rosângela que sempre a incentivou nas conquistas de novas habilidades e objetivos. “Tive momentos de desespero, cheguei a reclamar a Deus e as respostas para tudo que aconteceu surgiram de repente, com a graça e o dom de superar”, contou.
Até mesmo na questão religiosa, Kathrein Moura teve que optar. Com a dúvida sobre qual religião seguir, ela garante que passou por várias circunstâncias que ela chamou de teste. “Já recebi conceitos espíritas de que sou assim porque é um castigo que estou pagando”, comentou com olhos tristes. Enquanto isso, católicos e evangélicos dizem que ela está sendo instrumento de exemplo para as outras pessoas. “Não sou cem por cento católica ou evangélica; eu acredito em Deus”, afirmou e disse que freqüenta mais vezes a igreja católica e está fazendo a preparação para a crisma.
Sonhos
E a vida da jovem Kathrein Moura é cheia de escolhas. O sonho de fazer medicina foi colocado na gaveta. Ela reconhece que “não pode” (aspas da estudante) cuidar de um paciente ou fazer uma cirurgia em alguém e foi por isso que optou em prestar vestibular para Direito. “Escolhi o curso por ser mais inclusivo e quero ser juíza”, frisou.
O CONTEXTO acompanhou um dia da estudante na faculdade onde ela cursa Direito. Em meio aos colegas de classe e na primeira fila ela faz todas as anotações com os pés. Segundo a jovem, a curiosidade das pessoas em saber como ela escreve já passou.
Além de haver conquistado uma vaga no ensino superior, o ano de 2009 para ela é de superação. O emprego de secretária no núcleo de apoio ao discente em uma instituição do ensino superior está sendo um desafio. “Gentileza gera gentileza”, comentou a estudante. Para ela, o trabalho não é cansativo e permite aprender, diariamente, com as pessoas sobre como absorver as coisas boas da vida. “Acho um absurdo encontrar pessoas na rua se valendo da deficiência para ganharem dinheiro. Na maioria dos casos, falta força de vontade. Todo mundo tem otimismo dentro de si, falta apenas o despertar”, ensinou.
Quanto a relacionamentos, Kathrein Moura, tímida, disse que já namorou muito, mas que no momento está concentrada no trabalho e na faculdade. Ela pensa em constituir família e ter filhos. “As crianças me adoram, principalmente minha prima. Ela me abraça e saio com ela para muitos lugares”, disse relembrando as habilidades que possui.
Incentivo aos deficientes faz a diferença
A estudante de Direito, Kathrein Moura disse ter vários “anjos da guarda”. Para ela, o incentivo para o trabalho e para o estudo a fez acreditar ainda mais que pode superar qualquer obstáculo.
Um deles é o coordenador do programa de inclusão social de uma instituição de ensino superior da cidade, Roberto Alves. Segundo ele, que também está à frente do programa afrodescendente, as pessoas têm que se desarmar do preconceito e dar oportunidades a quem é portador de necessidades especiais. E isso inclui a própria família.
“A instituição de ensino, acolhe a discentes, inclusive os portadores de necessidades especiais como Kathrein Moura e ainda dá oportunidade de trabalho a alguns”, citou. Roberto Alves listou algumas pessoas que são beneficiadas com o atendimento: cinco cadeirantes, um deficiente auditivo, três deficientes visuais e outras vítimas de preconceito como os descendentes de negros e indígenas. Para ele, “o trabalho de acessibilidade que desenvolve é de última geração”.
Outro anjo na vida de Kathrein Moura é o diretor da faculdade onde cursa Direito, Jessé Alves de Almeida. Ele deu todo o apoio para que ela frequentasse as aulas. Segundo ele, a estudante é um exemplo de superação. Mas, ressaltou que o processo de inclusão social deve ser mais incrementado ainda dentro das instituições. “O ensino exige uma atenção maior e passa por um atendimento especial”, disse. Ele garantiu que esses alunos são encarados como qualquer outro, sem privilégios.
Para Jessé Almeida, a instituição inclusiva passa por três ocorrências: a aceitação, a adequação da instituição de ensino e a própria superação do portador de necessidades especiais. “É preciso incentivá-los e garantir que eles podem conquistar os objetivos”, finalizou.