A tão conhecida (e utilizada por muitos) “palmadinha” nos filhos pode estar com os dias contados. Projeto de lei da deputada Maria do Rosário (PT/RS), conhecido como “Lei da Palmada”, já passou pela Câmara dos Deputados e aguarda aprovação no Senado. Pelo projeto, qualquer tipo de castigo físico cometido contra as crianças, por pais ou responsáveis, será proibido, mesmo que a punição seja empregada com caráter pedagógico. Segundo o texto do projeto, os pais que derem palmadas nos filhos serão encaminhados a cursos de orientação e programas oficiais ou comunitários de proteção da família e, tanto os pais, como os filhos, deverão se submeter a tratamento psicológico ou psiquiátrico especializados.
O projeto de lei foi sugerido pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) que defende que a palmada, além de ser covardia, não educa e que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), esse grupo não pode ser vítima de violência, física ou psicológica. A campanha do Lacri, intitulada “a palmada deseduca”, busca conscientizar pais e educadores sobre os prejuízos que os castigos corporais podem gerar no desenvolvimento infantil.
Seria, então, o fim da chinelada, do puxão de orelha, do beliscão e o abandono definitivo da vara e do cinto? Para a jovem mãe Elaine Gonzaga, de 28 anos, na prática, a relação entre pais e filhos dentro do lar não pode sofrer esse tipo de interferência por parte do Poder Legislativo, já que, segundo ela, a palmada é aliada na desafiadora tarefa de educar os filhos. Mãe de dois meninos, um de cinco e outro de três anos, Elaine garante que se sente mal depois de dar uns “tapinhas” nos filhos, mas defende que o método do castigo físico, se usado com moderação, pode ser complementar ao diálogo.
“As crianças parecem não entender muito quando apenas explicamos. Por isso, ainda uso, mas não é frequente. Quando meu filho mais novo estava com um ano de idade, queria muito por o dedo nas tomadas e, por mais que eu colocasse proteção ou fita, ele ia lá e arrancava tudo. Fiquei com muito medo de que ele se machucasse. Então, passei a dar uma palmada em sua mãozinha, todas as vezes que ele queria tocar na tomada. Como ele ficou com medo parou de colocar a mão no equipamento. Ele não tinha discernimento de entender o perigo. Então preferi dar um tapinha, que o ver tomando choque”, se defende Elaine.
Para o Juiz da Infância e Juventude de Anápolis, Carlos Limongi, existem outras formas eficazes de corrigir os filhos, como deixar sem televisão, proibir de jogar videogame, ou seja, quando estiver desobediente, a criança deve ser privada de suas atividades preferidas, sem precisar, assim, apanhar. Mas o juiz também não concorda com a criação de uma lei que interfira na relação doméstica. “Não há necessidade de criar lei para isso. Já existe legislação que proíbe a tortura e o espancamento e regulamenta a proteção às crianças. Esse projeto pode ser positivo ao tentar conscientizar que existem outras formas de corrigir, mas tenho medo de que, com a lei, os pais possam ficar reféns e percam a autoridade, que é necessária, no processo de educar os filhos”, argumenta o juiz.
Violência só gera violência
Favorável ao projeto da deputada Maria do Rosário, a neuropsicóloga Daniela Louza defende que a prática de bater nas crianças revela uma insegurança apresentada pelos pais, que recorrem à agressão física como uma tentativa (muitas vezes frustrada) de impor limites e barrar a desobediência dos filhos. Para ela, é fundamental o diálogo e o respeito para que as crianças desenvolvam autonomia e inteligência emocional. “O comportamento da criança pode ser condicionado sem o uso de violência, mas explicando o que ela pode e o que ela não pode fazer. Até porque, quando a criança apanha, ela cresce não sabendo de que forma a violência ajudou em sua educação. Valorizar os momentos em que o filho acerta, ensina a assimilar e compreender melhor o que é educação. Uma criança pode receber um castigo e não entender qual é a ligação dele com seu erro”, ressalta a Dra. Daniela.
Convergindo com a opinião da neuropsicóloga, encontra-se o relato de Célia Calcanhoto, mãe de um casal, de 31 e 27 anos. Célia garante que criou os filhos sem recorrer à “pedagogia da palmada”. Ela lembra que, durante a infância, foi vítima dos castigos físicos e defende que a surra pode gerar o efeito contrário, ou seja, fazer com que a criança perca o respeito por quem deveria estar educando-a. “Sou de um tempo em que a palmatória se fazia presente. Eu era a campeã em recebê-la todos os dias. É algo extremamente dolorido e a raiva se instala de tal forma que nos acostumamos a aprontar por que, no máximo, virão mais algumas dores, que logo passam, mas a revolta continua”, recorda a aposentada.
Diante da polêmica em torno da alternativa de bater ou não nos filhos, Célia deixa uma receita que garante ser válida em qualquer circunstância: “O que não se pode perder é a essência do olhar. O filho precisa sentir que o pai é responsável por ele e o ‘sim‘ ou o ‘não‘ devem estar presentes no jeito de olhar, não importa se para a criança, o jovem ou o adulto. Não basta impor um decreto dizendo ‘acabem com as palmadas‘. Seria melhor decretarem uma lei que obrigasse a existir mais amor dentro dos lares”, recomenda a experiente mãe.