As polêmicas em torno do livro “Por uma Vida Melhor”, de Heloísa Ramos, assumem tendências ideológicas políticas e de classe, nas quais arautos da moral e dos bons costumes aproveitam o ensejo para disseminar críticas no mínimo incautas (incultas?). Vê-se, por exemplo, emaranhamentos desconexos da iniciativa do MEC com um possível “lulês” que busca disseminar a “ignorância” do ex-presidente na sociedade. Não vou ficar aqui debatendo tais elucubrações sustentadas por um preconceito de classe e por uma autodefinição de padrão cultural, pois o que importa é discutir a questão no âmbito educacional.
Fica evidente que pessoas que criticaram o livro nos referidos termos, certamente não o leu. Tive a decência de observar o conteúdo da obra para veicular uma opinião. Nele, a maior parte do tempo, a autora se dedica a valorizar a concordância, a pontuação e acentuação, além da ortografia correta. O livro esgueira-se por uma tendência mais que tradicional dos cursos de Letras desde os anos 1960, que se dedica a entender e estudar as flexões e alterações práticas da língua. Fato comum quando se observa verbalizações diferentes por conta de sotaques regionais, o que não implica em incorreção. É preciso se desvencilhar de ranços ideológicos para tecer comentários sobre uma área tão importante como a educacional. Esse tipo de crítica superficial, com deboches tacanhos a um ex-presidente popular, não leva a termos profícuos.
Partindo para o lado teórico-pedagógico do imbróglio, é importante não menosprezar os usos populares da língua, até porque não passam de estamentos formais. Há pouco tempo, estes críticos ácidos dos comportamentos das classes baixas, acusariam de semi-analfabetos pessoas que não colocassem acento agudo na palavra “idéia” – o que hoje mudou com o novo acordo ortográfico. Mais que isso, mal sabem que a palavra “você” é a popularização do “vossa mercê” nos emprestado pelo português colonizador. Assim, todos grafam tais termos “corretamente”, orgulhosos de sua boa educação elitista, sem saber que adotaram a fala do negro escravo “analfabeto”. Chamar de inculto o popular é assinar atestado de ignorância e preconceito.
O livro prega claramente o uso correto da língua e apenas demonstra as apropriações correntes de flexões comumente utilizadas pela população em sua esmagadora maioria. Nesse ínterim, vem na esteira de movimentos contra preconceitos, sejam estes raciais, sociais, sexuais ou lingüísticos. Óbvio que ninguém seria estúpido o suficiente para defender o ensino errôneo do português em escolas; imaginar isso é no mínimo inocência; e alegar que tal ação se trata de uma jogada velada do governo para “fabricar” ignorância em série, é irresponsabilidade (para não dizer outra coisa).
Trata-se de entender o valor cultural de manifestações do diferente, sempre tendo em mente a necessidade de intervenção onde se faça necessário. Mais perigoso que escrever errado é não comunicar. Mais preocupante que não comunicar, é assumir o requinte lingüístico e o ornamento das palavras como prestigio de classe e poder. Como se só houvesse uma forma de se comunicar: a da classe dominante.
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