Condenado a mais de 27 anos de prisão na ação penal que apurou a trama golpista, o ex-presidente Jair Bolsonaro voltou a ser responsabilizado judicialmente, desta vez em outro processo, por “declarações públicas de preconceito, discriminação e intolerância contra pessoas negras” quando era chefe do Executivo.
A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou, nesta terça-feira, o ex-mandatário e a União a pagarem indenizações de R$ 1 milhão cada por danos morais coletivos.
O TRF-4 acolheu parcialmente, mas de forma unânime, a solicitação do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), autores da ação civil pública. Três manifestações de Bolsonaro — feitas em lives na internet e no Palácio do Planalto e arredores — foram alvo do processo, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo. A verba será destinada a um fundo público, mas o ex-presidente ainda pode recorrer.
O MPF e a DPU pediram que Bolsonaro pagasse pelo menos R$ 5 milhões e a União, outros R$ 10 milhões, por se tratar de uma conduta discriminatória do Presidente da República. A Justiça, em primeira instância, chegou a rejeitar a indenização por considerar que as declarações não causaram danos coletivos.
‘Criatório de barata’
Num dos casos citados pela acusação, Bolsonaro comparou o cabelo crespo de um apoiador negro a um “criatório de barata”, em 8 de julho de 2021 — sabendo que a fala era gravada e repercutiria nas redes sociais.
— Você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos — acrescentou, aos risos, na ocasião, numa referência ao vermífugo defendido por ele durante a pandemia de Covid-19.
Diante da repercussão do caso, o ex-presidente convidou o apoiador para uma live nas redes sociais. Disse que as declarações eram “piadas”, perguntou quantas vezes o apoiador tomava banho por mês e destacou que ele seria deputado federal “se criarem cota para feios”.
Em outro momento, no dia 6 de maio de 2021, o ex-presidente falou a outro bolsonarista negro que viu uma barata em seu cabelo. Além disso, dois dias antes, Bolsonaro também perguntou para um apoiador, de cabelo crespo, o que ele “criava” em sua “cabeleira”.
Para o MPF e a DPU, as condutas do ex-presidente “extrapolam os limites da ofensa individual e específica ao cidadão” e configuram “verdadeira ofensa estigmatizante de discriminação e intolerância a qualquer pessoa negra”. O apoiador, na época, afirmou não ter se sentido ofendido e declarou não ser um “negro vitimista”.
No julgamento desta terça-feira, a procuradora da República Carmem Elisa Hessel classificou as manifestações de Bolsonaro como “racismo recreativo”. Além disso, ela defendeu que declarações do tipo, quando proferidas por um presidente do Brasil, podem contribuir para o aumento do preconceito.
“As declarações do réu reforçam ideias preconceituosas e estigmatizantes contra pessoas negras sobre o cabelo de pessoas negras. Esse discurso vindo do representante máximo do governo brasileiro contribui para o aumento do preconceito ao reforçar estereótipos negativos”, afirmou Carmen, conforme informações do jornal Zero Hora.
Ainda de acordo com o Zero Hora, a advogada Karina Kufa, responsável pela defesa de Bolsonaro, afirmou que as “brincadeiras de mau gosto” não foram capazes de atingir a coletividade, embora possam ser classificadas como “inadequadas ou intoleráveis”.
“O alvo dos comentários afirmou expressamente nunca se sentir ofendido. Inclusive, foi convidado a participar da live. A pessoa tem relação de proximidade com o réu desde aquela época, mesmo com as brincadeiras de mau gosto”, disse Karina.
Via O Globo