Como acontece no mundo, a pandemia causada pelo novo coronavírus deixou um rastro de tragédia para crianças e adolescentes sem a presença física dos pais
Não bastasse o impacto econômico e a desativação de importante setores da produtividade global, assim como a desagregação de valores e as crises político/administrativas, a pandemia causada pelo novo coronavírus, feriu, mortalmente, a milhares de famílias em todo o mundo. No Brasil, em Goiás e, por extensão, em Anápolis não foi diferente. A doença criou a figura dos órfãos da covid-19.
Milhares de crianças e adolescentes que ficaram sem a figura do pai, ou da mãe e, em muitos casos, dos dois. Esses seres humanos experimentam, a partir de agora, um novo estilo de vida. Muitos, ainda, têm o aconchego da família para ajudá-los na transposição desta fase, por demais, difícil. Mas, muitos outros, estão desprovidos desse agasalho e vão ter de enfrentar a vida real da orfandade, situação por demais dramática e imprevisível. O que será desta geração de órfãos, centenas de bebês, crianças e adolescentes? Esta é a pergunta.
Não há número oficial, mas calcula-se que existam mais de 120 mil menores de idade brasileiros que perderam o pai, a mãe ou ambos para a covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. De lá para cá, os números, certamente, aumentaram. Se considerados as crianças e os adolescentes que tinham como principal cuidador os avôs/avós, esse número salta para 160 mil no País. No mundo todo, a cifra é superior a um milhão e meio de órfãos, conforme estudo publicado em julho no periódico científico Lancet. E, diante disso, surgiu uma ideia, por sinal, equivocada, que se disseminou desde o início da pandemia de que crianças não são afetadas pela covid-19. Mas, a magnitude no número de órfãos expõe, exatamente, o oposto. Todavia, autoridades de diferentes países, e a sociedade em geral, têm ignorado – ou agido de modo lento demais – para ajudar a esses menores de idade em situação tão extrema.
O que fazer
Para além da tragédia emocional, muitas famílias perderam pais ou mães que eram as principais fontes de renda da casa. Especialistas no assunto defendem que haja a inclusão imediata desses menores de idade em programas de transferência de renda, para se combater a vulnerabilidade financeira e social que vem junto com a orfandade. Esta seria uma necessidade especialmente verdadeira no Brasil, onde a maior parte dos órfãos, cerca de 90 mil, perdeu o pai, historicamente o responsável pelo sustento financeiro do lar.
540 dias de uma pandemia que mudou e ainda está mudando a vida dos anapolinos
No Congresso Nacional tramitam diversos projetos de lei para se beneficiarem, com assistência social, órfãos da covid-19. O Governo Federal anunciou que planeja pagar uma pensão para órfãos já inscritos em programas sociais, algo em torno de 68 mil menores de idade, segundo estimativas. Mas, nenhuma dessas propostas de auxílio saiu do papel ainda. Os dados são muito claros em mostrar que o Brasil é o segundo país com o maior número de órfãos, atrás, apenas, do México.
É sabido por epidemias e pandemias anteriores, como a da gripe espanhola de 1918, ou a pandemia de HIV/AIDS ou, ainda, a epidemia de Ebola, que toda vez que há doenças que matam um grande número de adultos, significa que exista um grande número de crianças que ficaram órfãs pela morte de um ou de ambos os pais. Desta vez, no entanto, parece que a sociedade ficou tão chocada e consumida pela urgente necessidade de combater as mortes que, realmente, ocorrem principalmente entre adultos, a ponto de presumir-se que isso significava que as crianças não tivessem sido afetadas. E, na verdade, é exatamente o oposto disso. As crianças são altamente afetadas quando os adultos que morrem são seus pais ou avós, as pessoas que mantêm suas casas e que cuidam delas. Em pouco mais de um ano, a cada 3 milhões de mortes por pandemia, havia mais de 1,5 milhão de crianças que perderam a mãe, o pai ou seu cuidador primário (normalmente os avós) no mundo. Isso é muito traumatizante para as crianças.
Assim sendo, é preciso usar-se o momento para se fortalecer o relacionamento com parentes que morem perto e, até mesmo, aqueles mais distantes, por meio de plataformas de videochamadas, porque são esses parentes que, provavelmente, terão que intervir e ajudar caso o pai ou o avô cuidador morra. E, especialmente para uma doença que mata tão rapidamente, eles precisam estar a postos.
Já em relação aos governos e à sociedade civil, este seria o momento para que todos os níveis administrativos se engajassem em estratégias. Em primeiro lugar, é preciso prevenirem-se as mortes desses pais, e certamente a essa altura já se sabe como fazer isso. É necessário acelerar e garantir a equidade da distribuição das vacinas e enquanto isso não acontece e a imunização segue indisponível em muitos países, convém seguir adotando as medidas de saúde pública: uso de máscara, distanciamento social, higiene apropriada das mãos. Isso é essencial para impedir que esses pais contraiam a doença e morram.
Outra estratégia é se preparar para essas perdas. Há evidências claras de que crianças que crescem em orfanatos têm um risco aumentado de atrasos cognitivos permanentes. Isso está longe de ser o melhor que se pode fazer, como sociedade, por uma criança órfã. Então, torna-se fundamental prepararem-se parentes das famílias delas, ou mesmo, formar, rapidamente, famílias substitutas e adotivas que possam dar um lar para as crianças que precisam e precisarão deles. E não são poucas, por sinal. E finalmente, a adoção de estratégias para a proteção social. Crianças que crescem sem uma mãe ou um pai para zelar por elas correm maior risco de exposição à violência sexual, física e emocional.