Por Arinilson Mariano*
O planeta assiste, assustado, ao avanço do novo “coronavírus” (COVID-19), com o aumento estrondoso do número de casos e óbitos em mais de 150 países no mundo. Depois da OMS classificar o novo vírus como pandemia, por óbvio que os mais diversos setores da economia mundial sofrerão os impactos da crise, o que vai refletir nas relações de emprego e, diretamente, nos mercados em seus mais diversos níveis, afetando, inclusive, o cumprimento de obrigações contratuais outrora assumidas.
Claramente, os governos têm se esforçado para editar medidas que contemplem a proteção das vidas humanas, além de outras iniciativas de natureza econômica, na tentativa de aplacar os possíveis impactos da crise nos mais diversos setores. Dada a situação emergencial, em vários países, houve a suspensão das cobranças pela prestação de serviços básicos, flexibilização das obrigações de natureza cível e trabalhista, bem como alterações nos contratos de natureza estatutária, com os servidores públicos. No Brasil, no último dia 22/03, o governo federal editou a Medida Provisória de n.º 927, que flexibiliza as leis trabalhistas em razão do estado de calamidade pública e da emergência de saúde verificada no mundo todo, visando a manutenção dos contratos de trabalho, pelo menos durante os próximos meses.
A lei brasileira classifica como caso fortuito ou de força maior aqueles “cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Os institutos são semelhantes, e por vezes confundem-se quando de sua aplicação. Parece-nos claro que o novo coronavírus enquadra-se perfeitamente nas situações previstas pela legislação como caso fortuito. É a redação do art. 393 do Código Civil:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Portanto, tendo em vista que a pandemia é fato imprevisível, vez que pegou o mundo de surpresa, afetando as relações humanas de maneira extraordinária, e também inevitável, já que os esforços individuais ou coletivos são, por ora, incapazes de arrefecer os avanços do vírus e suas consequências para as relações negociais, estamos diante de um claro cenário de caso fortuito que, por sua vez, tende a refletir diretamente no (des)cumprimento de obrigações assumidas. Isso não quer dizer que todas as obrigações poderão ser descumpridas ou revistas em razão crise. Há de se aferir as reais e diretas consequências provocadas pela pandemia, com a efetiva comprovação de sua interferência no cumprimento da obrigação. Também não se pode perder de vista que a boa-fé continua sendo a base de todas as relações negociais, e será levada em conta para determinar a ocorrência de caso fortuito ou força maior.
A situação jurídica, apesar de conhecida de muitos e por vezes utilizada por devedores para justificar o descumprimento de compromissos assumidos, não é vista com tamanha clareza desde a Segunda Guerra Mundial, sendo que as controvérsias negociais e demais questões obrigacionais serão submetidas aos tribunais pátrios, que certamente vão analisar caso a caso, dadas as vicissitudes de cada evento.
Um dos setores que mais podem sofrer os reflexos da crise provocada pelo avanço da doença é o da construção civil, vez que muitas obras com prazo para serem entregues acabaram interrompidas por determinação governamental, impossibilitando o cumprimento do cronograma estabelecido. Nesse particular, há previsão específica no codex civil, sendo que o art. 625 menciona a possibilidade do empreiteiro suspender a obra por culpa do dono ou por motivo de força maior. Indústria, comércio e prestação de serviços também absorverão o impacto das restrições e adequações impostos pelo avanço da doença.
Tendo em vista a previsão de uma enxurrada de conflitos e questionamentos advindos da possível aplicação dos institutos de caso fortuito e força maior, impõe-se, neste momento, a aplicação do bom senso entre os envolvidos, que deverão analisar o cenário, negociar as condições contratuais, rever dispositivos considerados inexequíveis e, de comum acordo, repactuar, mesmo que temporariamente, o cumprimento das obrigações comprovadamente alcançadas pela crise.

Advogado, sócio do escritório Mariano, Montalvão & Freitas – Vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO