Essa questão, nos últimos dias, tem ocupado espaço e ganhou ampla repercussão na imprensa brasileira, por conta da retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADIN 1.265 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa ADIN, diga-se de passagem, não é nova. O processo foi iniciado em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
O objeto da demanda é a invalidação de um decreto (nº 2.100/1996), por meio do qual o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso rompeu com uma convenção do Brasil junto à Organização Internacional do Trabalho, a OIT, um braço das Nações Unidas (ONU) que funciona em sistema tripartite, onde governos, trabalhadores e empregadores são representados nela, com o objetivo de buscar e criar padrões internacionais para princípios e regras trabalhistas.
Um dos instrumentos de atuação da OIT é a celebração de convenções e uma delas é a de nº 158, que no ano passado completou 40 anos de existência. Ela foi aprovada em 1982, na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça.
O objeto dessa convenção internacional é o tratamento do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Ela foi ratificada no Brasil e promulgada em abril de 1996, porém, pouco mais de 08 (oito) meses depois de sua ratificação, foi denunciada pelo decreto do ex-presidente FHC.
Em 1997, veio a Ação que discute a constitucionalidade desta denúncia, pois nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal, a denúncia de um tratado internacional (que culmina com sua exclusão do ordenamento interno) após determinado prazo está subordinada à participação do Congresso Nacional.
Esse breve histórico é para que se tenha uma ideia de como o fato se iniciou e quais são os seus desdobramentos e possíveis consequências. Aliás, é o que muita gente quer saber, sobretudo, os empresários, os empregadores. Afinal, seria o fim das demissões sem justa causa?
Análise da questão
O escritório de advocacia Gonçalves & Ventura, especializado nessa área, através dos advogados Augusto Ventura, Samuel Martins Gonçalves, Rodrigo Gonçalves Montalvão e Karla Gardene Oliveira de Souza, fez uma análise detalhada da questão, com o objetivo de jogar luz sobre a polêmica e, mais do que isso, tranquilizar o setor produtivo.
A tese trazida pelos operadores do Direito tem uma relevância grande, porque o fato, em si, é observado por vários ângulos. Um deles e, talvez, o mais esclarecedor de todos, é que por trás de tantas interpretações e polêmicas, está relacionado ao trato linguístico.
“A reincorporação da Convenção nº. 158 ao ordenamento brasileiro não significa, em absoluto, que os empregadores do país não poderão promover dispensas sem justa causa. E as razões são várias, mas nos concentraremos em duas: a questão do conteúdo da convenção e da atual sistemática brasileira pertinente ao assunto e questões procedimentais, relativas à sua aplicabilidade e eficácia”, destaca o estudo.
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É citado o artigo 4º da convenção, o qual diz: “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.
O problema, para os especialistas, começa aí, ou seja, pela leitura simplória do dispositivo, levando-se a crer que os empregadores só poderiam promover dispensas por justa causa.
“É evidente, todavia, que uma regra desse padrão teria consequências catastróficas ao setor produtivo. Afinal, a liberdade de iniciar e terminar relações jurídicas são a base de qualquer contrato, não sendo racional em um Estado de Direito a imposição da perenização de contratos privados”, pontua a análise.
Diante a leitura açodada iniciou-se a polêmica e o medo disseminado, mas cuja leitura mais amiúde leva a duas questões que os especialistas consideram simples: “terminologia e nomenclatura”.
“Uma das questões mais prementes em Direito Internacional é a cautela na interpretação literal, na medida em que se é muito difícil encontrar um direito dito “igual”. Certamente, é ainda mais difícil encontrar terminologias uniformes. Afinal, as especificidades linguísticas e culturais de cada país invariavelmente conduzem o olhar do leitor nas palavras, e ele as internaliza consoante sua realidade”, escrevem os advogados.
Eles explicam que, no Brasil, por exemplo, vigora a sistemática que tem como viável a rescisão de contratos de trabalho “sem justa causa” e “com justa causa”, com algumas exceções relacionadas às garantias provisórias de emprego.
“É muito difícil conceituar o que é “justo”, termo tão frequente na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Afinal, a própria ´justiça´ é um conceito jurídico-filosófico que
há séculos suscita amplo debate e estudo”, pontuam os profissionais.
Justo ou justificado
Ocorre, ainda de acordo com os especialistas, que a Convenção 158 da OIT, em momento algum, discute a rescisão por causa “justa” ou “injusta”.
A previsão da norma internacional, como se depreende do seu artigo 4º, é a exigência de uma causa justificada para a rescisão de um contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
E, complementam: justificado não é sinônimo de justo, de maneira que a norma impõe
apenas que exista uma justificativa para rescisão, e ela não precisa ser “justa”.
“Desse modo, tem-se claro que a confusão nasce da indevida aplicação de equivalência entre ´causa justa´ e ´causa justificada´, evidenciando a raiz terminológico-linguística do problema. Vale lembrar que há outros termos corriqueiramente aplicados no Brasil (“dispensa imotivada” ou “dispensa motivada”), mas são igualmente incompletos e inapropriados, pois toda rescisão de um contrato de trabalho possui um “motivo” a ela subjacente.
Os advogados assinalam que a própria convenção 158 da OIT admite a dispensa de um empregado, relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou, ainda, baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
“É claro que dispensas por performance(capacidade), aderência a regulamentos internos (comportamento) ou por conjuntura econômica, queda de produção e ajuste no quadro de empregados(necessidades de funcionamento), estão amparadas na Norma, de modo que estas (que são as mais comuns razões para que um empregador decida romper um vínculo de emprego) permanecerão absolutamente hígidas e aceitas”, diz o estudo.
Para os advogados, portanto, o que a convenção nº 158 da OIT parece pretender é coibir a dispensa de um determinado empregado pela simples vontade do empregador, desacompanhada de qualquer razão relacionada à execução daquele contrato de trabalho.
Além do que, a mesma convenção- destacam os advogados- prevê que cada Estado-membro delibere em sua legislação própria, fórmulas de solução para as dispensas “sem causa justificada”, podendo ser a reintegração e/ou uma indenização compensatória.
O que a legislação brasileira (leia-se a Constituição) prevê, com a indenização rescisória correspondente a 40% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Julgamento no STF
Os advogados do escritório Gonçalves & Ventura esclarecem que mesmo que o STF julgue procedente a ação, reintroduzindo a convenção nº 158, isso não significa a sua imediata aplicação.
“Isto porque, ela prevê em seu artigo 10 a regulamentação da proteção contra a dispensa arbitrária a ser realizada por cada país signatário, o que é incompatível com a natureza autoaplicável de convenções. A norma internacional não traz a consequência que seria uniformemente aplicada por qualquer Estado-membro que verificasse uma dispensa sem causa justificada.
Também não há na mesma convenção, explicam, qualquer disposição prevendo que nesta hipótese, ou seja, a sua reintrodução, as dispensas teriam de ser anuladas ou declaradas nulas.
“De todo o modo, ainda que tal previsão houvesse, ela seria inconstitucional, eis que a Convenção 158 seria incorporada ao direito interno com status supra legal (o que equivale a dizer que seria superior à Lei, mas infraconstitucional) e a nossa Carta Magna (Constituição Federal e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) já trazem a consequência meramente indenizatória para a dispensa arbitrária ou sem justa causa”, reforçam os especialistas.
De tal forma que, ainda que se concretize o julgamento no STF, “tal fato não significará a proibição de rescisões de contratos de trabalho ´sem justa causa, seja pela ausência de autoaplicabilidade, seja pela submissão da convenção ao primado constitucional, que já autoriza tais dispensas, prevendo a indenização do artigo 10 do ADCT para casos de dispensa ´arbitrária ou sem justa causa´”, finalizam os advogados.