Vander Lúcio: Os senhores carregam um sobrenome forte, Fanstone, que era de seu pai, uma espécie de mito ainda hoje, passadas várias gerações. Como foi e como é ser filho de James Fanstone?
Henrique Fanstone: No tempo em que eu era criança, bastava dizer: ‘este aqui é filho do doutor Fanstone‘. Então eles já viravam: ‘que gracinha‘. Melhorava minha aparência na hora. Mas eu me lembro do tempo em que em Anápolis o ‘doutor‘ era o Fanstone. Os outros eram o doutor fulano, doutor ciclano, mas se eles falavam: ‘de quem é esse carro? É do doutor‘. Era o doutor Fanstone. Porque o meu pai, sem dúvida, durante muitos anos, foi o homem mais importante, pois ele trouxe um hospital moderno para Anápolis, para o sertão. Então, ele era amigo de todos os políticos aqui do Estado. Eu fui criado na sombra dos coronéis. Tenho umas ideias até um pouco atrasadas por causa disso. Eu sou bem um homem das cavernas, num certo sentido.
Vander Lúcio: Doutor Bill, como seu pai criou a família, no caso os dois filhos? Qual foi o modelo que ele adotou, já que era de origem inglesa, um país onde se adota uma educação mais conservadora.
Bill Fanstone: Justo. Ele era de origem inglesa, mas nasceu no Brasil. Foi para a Inglaterra com três meses. E aí, quando voltou, teve que aprender a língua do país dele. Ele era bastante rigoroso. Ele trabalhava tanto que… eu tinha, infelizmente, ainda tenho, uma mágoa por isso. A gente tinha pouco contato. Ele passava o dia inteiro correndo, correndo, correndo. Eu me arrependo muito por não ter aprendido mais com ele, ter mais contato com ele. Porque ele era uma figura extraordinária. Então, a gente tem muito orgulho de ter sido filho dele. Mas, ao mesmo tempo, assim, lastimando que a gente não teve, realmente… porque o dia dele era… fazia de tudo. Ele era multiprofissional. Em resumo, foi muito gratificante ter sido filho dele.
Henrique Fanstone: Abrindo um parêntesis: ele me mandou para São Paulo estudar no colégio inglês com dez aninhos de idade. Dez anos de idade, meu pai me soltou para São Paulo. Eu fiquei lá. Só que depois, o Colégio Liceu de Goiás veio da capital velha para Goiânia. Falaram para o meu pai que era um colégio muito bom. Então, eu fui transferido de São Paulo para o Liceu. Mas, o meu primeiro ginásio foi lá no Colégio Inglês em São Paulo.
Vander Lúcio: A escolha da carreira de médico foi inspirada no comportamento do doutor James?
Henrique Fanstone: Eu confesso que eu segui a medicina por obrigação de ofício. Eu era o filho mais velho. Tanto é que, quando eu tive que deixar a medicina, quando eu fui ser deputado federal, fui deixando a medicina aos poucos. Não senti nenhuma saudade de atender doente.
Vander Lúcio: O senhor está afirmando que a opção pela Medicina não foi por vocação?
Henrique Fanstone: Sim. No entanto, a bem da ciência, eu fui um bom médico, porque a gente tem que ser bom nas coisas que faz. Então, eu era cirurgião e traumatologista. Eu dizia que era a minha especialidade, mas a gente fazia de tudo. Porque, naquele tempo, não existia tantos especialistas em Anápolis.
Vander Lúcio: E o senhor, Bill, por que fez a opção pela área jurídica?
Bill Fanstone: Foi o que eu achei que seria melhor para a época em que eu ajudava no hospital. E, também, foi mais no sentido de aprender mais. A advocacia dá muitos conhecimentos gerais. Foi mais nesse sentido. Eu fiquei muitos anos na administração do hospital. Depois eu saí e abri um escritório particular e também uma imobiliária.
Vander Lúcio: Doutor Henrique, o senhor migrou por muito tempo para as atividades políticas. Foi vereador, vice-prefeito e candidato a prefeito, foi deputado federal. Por que não continuou na política?
Henrique Fanstone: Em 1979, eu deixei de ser deputado. Depois, quase que não mexi mais, oficialmente, com política. Eu fui político mais atuante na época da revolução, nos anos 70, quando deputado. Antes disso, eu tinha sido político aqui em Anápolis. E, nessa época, é que eu fui secretário do Irapuan. Secretário da Administração e secretário da Saúde. Agora, no tempo do marechal Ribas, quando ele veio para Goiás, na intervenção, que houve aqui no começo da revolução, eu fui secretário estadual do Trabalho.
Ao retomar ao mundo da política o senhor mergulhou, de novo, no hospital da família. Como foi esse retorno?
Henrique Fanstone: Não, não, em partes. Depois que saí, nos anos 80, fui passar um tempo na Inglaterra. Eu aproveitei e passei seis meses lá. Quando voltei, fazia cirurgia nas horas vagas. Eu estava desmotivado para voltar à profissão. No meu tempo de médico mesmo, a gente era tratado com todo o carinho e respeito. Hoje não é mais assim.
Vander Lúcio: Doutor Henrique, como o senhor descreveria a história do seu pai, a saga da família Fanstone e que lições o senhor tira de tudo isso?
Henrique Fanstone: O meu pai é um caso interessantíssimo. Ele era missionário e a missão evangélica em que ele trabalhava, não tinha hospitais. E como evangelista médico, teve que fazer, ele mesmo, o hospital. Se fosse como os presbiterianos, por exemplo, que têm hospitais, ele teria trabalhado no hospital, depois se aposentado e ido embora para a Inglaterra. Mas ele teve que fazer o hospital para ele, em nome dele. Então, o hospital foi crescendo e virou o que é hoje.
Vander Lúcio: Doutor Henrique, na sua visão, o que Anápolis representa para a família Fanstone?
Henrique Fanstone: Eu acho que meu pai prestou um serviço muito grande para Anápolis. Um deles, que ele prestou, foi que em Anápolis, desde que ele chegou, não teve uma guerra fria entre protestantes e a igreja católica. Porque, nos começo dos anos 20, em todo o mundo tinha certa (rixa)… mas aqui em Anápolis nunca houve isso, porque meu pai era um médico, todo mundo precisava dele. Então, os correligionários dele foram bem tratados. Eu fui eleito vereador aqui em 53. Certamente 90% dos meus eleitores eram católicos.
Bill Fanstone: O Hospital não cobrava de padre e nem de freira. Inclusive, tinham dois padres: padre Castelo e um outro. Amicíssimos dele. Mantinham correspondências. Meu pai mantinha essa cordialidade com padre. Era impressionante. Porque ele veio por causa do evangelho para um país católico.
Bill Fanstone: Certamente que meu pai contribuiu muito o desenvolvimento de Anápolis. O pessoal vinha de outros centros porque aqui tinha assistência médica, que não tinha em outras cidades. Para Anápolis vinha gente de todo lugar e então foi criando uma fama de que ‘Anápolis tem recurso médico‘. Naquela época, isso influenciava demais.
Vander Lúcio: O Hospital Evangélico é a maior obra de seu pai? Em que outras áreas ele atuou de maneira marcante?
Bill Fanstone: Ah, sim. Em todas as áreas quase. Inclusive, na fundação de igrejas. A primeira escola dominical. O meu pai alugou uma casa, aliás, onde eu nasci, e na parte da frente da casa tinha sido um boteco. Então, meu pai desmanchou as prateleiras, porque também tinha habilidades de carpinteiro, e fez os bancos e um púlpito; e a primeira igreja, a primeira reunião de evangélicos em Anápolis foi nesse ‘ex-boteco‘. Depois ele comprou o lote onde é hoje a Igreja Presbiteriana Central.
Vander Lúcio: Doutor James também teve forte influência na educação em Anápolis, como, por exemplo, na fundação do Colégio “Couto Magalhães” e a criação da Escola de Enfermagem “Florence Nightingale”.
Henrique Fanstone: É. O doutor Carlos Magalhães, que era filho do famoso Eduardo Carlos Pereira, ele e meu pai fizeram um colégio aqui. Primeiro, fizeram um chamado Ciências e Artes, que foi doado à Prefeitura. A Prefeitura administrou por alguns uns anos e depois doou para as irmãs lá do Colégio Auxilium. Quer dizer, que o Colégio Auxilium, a primeira raiz foi meu pai quem plantou. Quer dizer, o colégio que meu pai montou acabou sendo doado lá para as freiras. Depois, fundaram o “Couto Magalhães”. O doutor Carlos voltou para São Paulo e deixou o “Couto” na mão do meu pai. Então, durante muito tempo, meu pai foi o dono daquele colégio. Então, o meu pai foi um dos iniciadores do “Couto Magalhães”, de toda essa UniEvangélica. E o primeiro membro entre oito do Conselho. E, minha mãe (Dayse Fanstone) era a única mulher desse grupo.
Vander Lúcio: E a visão de se construir a Escola de Enfermagem?
Henrique Fanstone: Meu pai tinha enfermeiras inglesas no Hospital. Aliás, o Hospital teve enfermeiras inglesas; canadenses; suecas, dinamarquesas e americanas. Então, meu pai, em 1934, fundou a escola e ela foi reconhecida pelo Governo do Estado. E ela ficou famosa no Brasil inteiro, porque eram enfermeiras muito boas, práticas.
E sobre a dona Dayse? Que lembranças os senhores carregam dela?
Henrique Fanstone: Minha mãe, coitada, ela tinha horror de hospital, mas ela casou com médico. Então, ela ficava em casa. Ela nunca ia ao hospital. Inclusive lá em casa não se podia discutir doenças, a não ser uma dor de cabeça. Minha mãe nunca esteve em hospital para consultas ou diagnósticos. Ela morreu em Santos, dormindo. Em férias. Do jeito que ela queria, sem pisar em hospital, etecetera. Foi sepultada lá.
Bill Fanstone: A minha mãe, dona Daisy, dentro da história de Anápolis, é muito esquecida. Porque, realmente, ela foi a baluarte da família. Segurava meu pai, ajudava, fazia tudo por trás. E era uma mulher muito querida em todas as áreas. Por conta da notoriedade do meu pai, Dona Daisy ficava meio de lado. E ela foi, realmente, uma pessoa muito extraordinária.
Vander Lúcio: O que faz hoje o médico Henrique Fanstone? Qual é a sua rotina? Henrique Fanstone: Eu estou totalmente aposentado. Eu passo a manhã na rede, depois eu vou almoçar acompanhado da esposa na cidade, porque nós não cozinhamos. Já na rua nós fazemos as coisas que precisamos fazer. À noite eu estou sempre aqui, eu não saio, porque hoje está tudo muito problemático. Ladrão para todo lado. A vida social, aquela coisa eu já não me sinto motivado para festas e jantares… Toda quarta-feira, eu tenho uma reunião de oração com umas quatro ou cinco pessoas, que foram funcionários do hospital. Eu acho que é porque eu já estou gagá (risos).
Bill Fanstone: Não, não, ele ainda pode, ele anda muito.
Vander Lúcio: Eu sempre o vejo acompanhado da mulher fazendo caminhadas pelos parques.
Henrique Fanstone: Tenho me exercitado pouco. Ando muito esquecido. Eu esqueço… gente, eu esqueço tudo. A verdade é que, como eu sou médico, estou senil. Se eu não fosse doutor, seria caduco… Eu estou semi-senil, é isso. Esses dias, eu fui a um enterro lá em Goiânia. Era um irmão meu, um maçom muito chegado a mim. E eu cheguei lá, conheci a cara do defunto, a família toda me abraçou, com alta felicidade: ‘oh, doutor, o senhor veio‘. E eu não lembro porque é que eu era amigo do falecido
Vander Lúcio: Doutor Henrique percebe-se que o senhor ainda mantém traços marcantes de humor apurado e, também, se apresenta com uma jovialidade aos, 89 anos, completados no último dia 16, de fazer inveja a muitos. Dentro deste espírito, que futuro o senhor prevê para Anápolis?
Henrique Fanstone: Eu acho que Anápolis, dada a sua situação, vamos dizer, geográfica, entre Goiânia e Brasília, etecetera, ainda tem muito o que crescer. Aqui têm faculdades, universidades, tem hospitais de todo tipo. Anápolis é uma cidade que eu acho que não tem razão de dar para trás. Aliás, propriedade de Anápolis é mais cara que em Goiânia. Eu sei, porque eu tenho um apartamento aqui. Se fosse em Goiânia valeria menos.
Vander Lúcio: E o senhor, doutor Bill, como enxerga o futuro de Anápolis?
Bill Fanstone: Mais ou menos o que o Henrique falou. Não tem volta. Nos últimos anos, principalmente, é impressionante como cresceu Anápolis. E ainda tem muita pobreza. Eu acho que ela inchou um pouco, cresceu e inchou. Mas, isso aí, com o tempo, as coisas que têm para vir, como o já falado, o Aeroporto de Cargas, o Centro de Convenções, tanta coisa que tem aí que esse ano deve acontecer. Eu acho que vai dar mais um pulo de desenvolvimento, muito grande. E aqui é tão bom, um clima bom.
Editorial 953 – Segurança hídrica
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Adorei ler sobre a saga da família Fanstone;até porque fui criada em Anapolis e conheci alguns membros da família e tbm estudei no Colégio Couto Magalhães.