Descaso. Essa é a situação como as pessoas portadoras de hemofilia ou anemia falciforme, e que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), definem o tratamento recebido na rede pública de saúde em Anápolis. Segundo o presidente da Associação dos Hemofílicos de Anápolis, Adevaldo Batista da Silva, há dez anos a cidade não possui um hematologista credenciado pelo SUS, para atender às pessoas hemofílicas ou com anemia falciforme. Segundo ele, a rede pública de saúde da cidade, não presta praticamente nenhuma assistência a essas pessoas que dependem, exclusivamente, do atendimento do SUS.
O presidente da Associação afirma que a falta do encaminhamento de um hematologista prejudica o portador de hemofilia em receber benefícios do SUS em outras especialidades médicas. Ainda, segundo ele, o hemofílico, necessariamente, precisa apresentar o encaminhamento de um hematologista antes de se consultar com um ortopedista, fisioterapeuta ou, ir ao dentista, por exemplo. “É a realidade aqui em Anápolis. É muito difícil. Geralmente é preciso juntar dinheiro de doações para ir a Goiânia buscar medicamento ou qualquer outro tipo de atendimento que o hemofílico precise, pois aqui não é oferecido nada na rede pública”, afirma Adevaldo Batista.
A situação não é diferente para quem sofre de anemia falciforme ou uma coagulopatia, doença muito parecida com hemofilia: doença de Von Willebrand. De acordo com Dejanira Gonçalves, mãe de um rapaz de 28 anos com anemia falciforme, para se obter uma receita médica de um hematologista demora-se cerca de 15 dias. Ela destaca que as receitas são emitidas por um médico da rede particular que, por cortesia, oferece o encaminhamento. “Há dez anos estamos nessa situação, sem atendimento de um médico do SUS, e o hematologista que presta o serviço não ganha nada por isso”, destaca Dejanira Gonçalves. Não ganha, mas também não consulta. Tanto Dejanira como Adevaldo afirmam que as receitas são feitas pelo médico, sem examinar os pacientes, que eles mesmos passam para a secretária do médico os sintomas e a dosagem dos fatores de coagulação que acreditam precisar, e pegam a receita em um outro momento.
O assunto foi tema de uma Audiência Pública na Câmara Municipal, na última terça-feira,04, proposta pela vereadora Míriam Garcia (PSDB). “Temos certeza de que o prefeito Antônio Gomide, que é da área de saúde, não deve ter conhecimento de como está a situação dessas pessoas. E o nosso objetivo com essa reunião é somar esforços para mudar a realidade”, disse. O secretário municipal de Saúde, Wilmar Martins, foi procurado para falar sobre o assunto, o que não foi possível até o fechamento da edição. No entanto, o espaço fica aberto, caso ele queira se manifestar.
A doença
Hemofilia é uma alteração genética e hereditária caracterizada por um defeito no processo de coagulação. A pessoa hemofílica ou com doença de Von Willebrand não conta com um dos fatores necessários que ajudam a estancar as hemorragias. Esse tipo de doente não possui um dos fatores ou quantidade suficiente da coagulação para exercer as suas funções. Assim sendo, demora mais para formar coágulo do que uma pessoa normal. E, quando forma, às vezes é insuficiente para fazer o sangue parar de escorrer no local da lesão. Inchaços, artrites e artroses são exemplos de consequências do portador de hemofilia. Cortar-se pode significar o fim da vida para essas pessoas, que caso não recebam as doses de fatores de coagulação a tempo.
Outro problema enfrentado por essas pessoas são as hemorragias internas que podem acontecer no organismo do hemofílico. Segundo o presidente da Associação, que também é hemofílico, é preciso ir rapidamente ao Banco de Sangue receber a doses. “Lá o médico, prescreve a receita, mesmo sem sermos examinados, mas se não fosse assim, poderíamos morrer de hemorragia”, destaca Adevaldo. No local, recebem apenas os fatores. Caso seja preciso receber outro atendimento no decorrer da semana, as pessoas com coagulopatias precisam ir ao Hemocentro de Goiânia. No final de semana, apenas o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) ou o Hospital Materno Infantil, podem atender a essas pessoas. Segundo Laudina Batista, portadora do gene da hemofilia e mãe de dois filhos hemofílicos, é muito difícil receber o atendimento em Anápolis. Tanto ela como Dejanira Gonçalves consideram uma humilhação ser necessário ir a Goiânia para receber atendimento.
Os altos custos dos exames e medicamentos são outros problemas enfrentados aos hemofílicos. Laudina Batista tem uma sobrinha com a doença de Von Willebrand. Segundo ela, o último exame feito, custa cerca de R$1000.00. “Felizmente conseguimos pelo SUS de Goiânia. O encaminhamento foi feito por um médico de lá. Se aqui tivesse um hematologista, as coisas simplificariam bastante”, desabafa Laudina.
Para o Presidente da Associação dos Hemofílicos de Anápolis, não ter um hematologista na cidade dificulta muito receber qualquer atendimento. “Até para se conseguir os medicamentos na Central de Medicamentos “Juarez Barbosa”, em Goiânia, é complicado, por que a maioria das pessoas não possui condições de ir à Capital para marcar consultas e receber o atendimento. Sem o encaminhamento do hematologista, não podemos apanhar os medicamentos”, declarou Adevaldo. Segundo Dejanira, a mãe do rapaz com anemia falciforme, “até medicamentos de baixo custo é difícil receber na rede pública de Anápolis”. Ela afirma que os remédios que o filho recebe, às vezes são vindos de amigos que, porventura, têm o medicamento em casa sobrando. “Pela falta da receita do hematologista nem se eu tivesse dinheiro para comprar o remédio poderia”, afirmou Dejanira.