Debate se aquece após Declarações da Ministra Cármen Lúcia e Relatório do Banco Central
Depois que a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, expressou preocupação com o avanço das apostas esportivas no Brasil, o debate sobre a regulação ganhou novo tom. Durante entrevista ao programa “Roda Viva”, ela declarou ser contra as apostas, afirmando que essas práticas “abusam dos mais vulneráveis para lucrar” e considerando perigoso seu avanço na sociedade. “Todo tipo de jogatina acaba apostando que alguém, em algum lugar, é um ‘otário’ e por isso nós podemos nos valer dele. Sou realmente contrária a esse tipo de coisa”, disse a ministra.
Também colaborou para aumentar a tensão sobre o tema o relatório divulgado pelo Banco Central apontando que 5 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas online apenas no mês de agosto. Esse dado alarmante ressalta o crescimento do setor e, ao mesmo tempo, as consequências potencialmente negativas do acesso irrestrito às apostas por grupos em situação de vulnerabilidade financeira.
“Regular é melhor”
Para o diretor da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), regular a atividade continua sendo a saída mais adequada. A comissão tem como objetivo estudar, analisar e debater os aspectos jurídicos relacionados aos jogos no Brasil, bem como propor medidas legislativas, administrativas e judiciais para a regulamentação, fiscalização e controle dessas atividades.
O advogado anapolino Arinilson Mariano, designado secretário da comissão nacional, acredita que as leis que regulamentam a atividade, recentemente sancionadas, eram necessárias, já que o jogo sempre existiu, no entanto, sem regulamentação. “É importante que as apostas sejam regulamentadas para garantir a segurança dos apostadores, a prevenção das atividades ilícitas e do jogo compulsivo ou patológico e para que o Estado possa arrecadar tributos sobre a atividade”, explica.
Para Arinilson, a fala da ministra Cármen Lúcia reflete uma preocupação legítima das autoridades, mas não deve mudar os esforços pela criação de uma regulamentação adequada como forma de trazer benefícios ao país. “A fala da ministra demonstra uma preocupação que toda a sociedade tem com relação à regularização das bets, das casas de apostas online, e a fiscalização e monitoramento necessários para o funcionamento dessas casas. A lei é boa, mas, também, é necessária uma discussão ampla da sociedade, das entidades de classe, dos órgãos governamentais de controle, para que possamos amadurecer a aplicação da lei aqui no nosso país”, pontua Mariano.
Propostas legislativas
O governo, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, já iniciou a publicação de portarias que visam regulamentar o setor. No início de maio, foi publicada a Portaria SPA/MF nº 722/2024, que estabelece requisitos técnicos para os sistemas de apostas e define regras de segurança e fiscalização dos operadores. Entre as exigências, está a obrigação de que as plataformas mantenham dados em centrais de dados localizadas no Brasil, a fim de garantir o controle e a proteção das informações dos apostadores.
Além disso, a portaria também impõe aos operadores a obrigação de enviar periodicamente à Secretaria de Prêmios e Apostas informações detalhadas sobre as apostas e os apostadores, visando à transparência e ao controle da atividade. “A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços acaba de proibir o uso de cartões de crédito como meio de pagamentos em bets, para que as pessoas não se endividem ao fazer apostas. Essa discussão sobre fiscalização tornou-se ainda maior depois do relatório do Banco Central, que mostrou que beneficiários do Bolsa Família gastaram bilhões em apostas via Pix. Isso acende uma discussão sobre os mecanismos de fiscalização que devem existir”, declara o secretário.
Vulneráveis
Outro ponto levantado no debate é a necessidade de proteger grupos vulneráveis, como beneficiários de programas sociais e pessoas em situação de inadimplência. Recentemente, alguns parlamentares apresentaram projetos que visam restringir a participação desses grupos em apostas, além de limitar a publicidade das empresas de apostas que, muitas vezes, utilizam influenciadores e personalidades conhecidas para promover seus serviços.
“A regulamentação das apostas traz a possibilidade de arrecadação e controle, mas é necessário que existam restrições adequadas para proteger quem mais precisa. A legalização é um passo importante, mas precisa vir acompanhada de mecanismos de controle e proteção, além de uma ampla discussão com a sociedade, para garantir que as apostas não gerem endividamento”, concluiu Mariano.
Arinilson reconhece que o debate sobre as apostas esportivas no Brasil está longe de ser encerrado. Mas destaca que a preocupação das autoridades, como a ministra Cármen Lúcia, e os esforços do governo para regulamentar o setor mostram que há uma consciência crescente sobre os riscos envolvidos. No entanto, a defesa de uma regulamentação responsável, pode ser um caminho viável para garantir que as apostas sejam feitas de forma segura e controlada, evitando que os mais vulneráveis sejam prejudicados. “O amadurecimento dessa discussão será crucial para o desenvolvimento de uma legislação que atenda aos interesses de toda a sociedade”, conclui o secretário.