Para evitar que essas crianças e adolescentes sejam expostos a situações de risco, a Lei 14.713/23 modificou os códigos civil e processo civil para impedir a concessão da guarda compartilhada em casos de violência doméstica.
A guarda compartilhada é a regra geral prevista no código civil, que estabelece que os filhos devem ficar sob a responsabilidade e o cuidado de ambos os pais, que devem dividir as decisões sobre a vida dos filhos e o tempo de convivência com eles.
Essa modalidade de guarda visa preservar o melhor interesse da criança e do adolescente, garantindo o seu direito à convivência familiar e ao desenvolvimento saudável.
No entanto, em casos de violência doméstica, a guarda compartilhada pode se tornar um instrumento de perpetuação do sofrimento da mulher e dos filhos, que ficam vulneráveis às ameaças, agressões e manipulações do agressor.
Por isso, a Lei 14.713/23, que entrou em vigor em agosto de 2023, alterou o art. 1.584 do código civil para determinar que “não será concedida a guarda compartilhada no caso de ocorrência de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, ou de qualquer forma de violência baseada no gênero, que coloque em risco a integridade física ou psicológica da mulher ou dos filhos”.
A lei também modificou o art. 693 do código de processo civil, que trata do procedimento para a fixação da guarda, para incluir o seguinte parágrafo:
“Em caso de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, ou de qualquer forma de violência baseada no gênero, que coloque em risco a integridade física ou psicológica da mulher ou dos filhos, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das partes, suspender ou restringir o direito de convivência do genitor agressor com os filhos, sem prejuízo da fixação de alimentos, até que sejam realizados estudos psicossociais com o grupo familiar”.
Decisões judiciais
A nova lei já vem sendo aplicada pelos tribunais brasileiros, que têm reconhecido a necessidade de proteger as vítimas de violência doméstica e familiar.
Um exemplo é a decisão da 2ª Vara de Família e de Órfãos e Sucessões de Águas Claras, no Distrito Federal, que deferiu o pedido liminar de uma mulher para suspender o direito de convivência do ex-marido com os filhos, em razão das agressões físicas e verbais que ele praticava contra ela na frente das crianças.
A mulher relatou que o ex-marido a ameaçava de morte, a xingava, a empurrava e a agredia com socos e tapas, na presença dos filhos de poucos meses. Ela disse que ele também agia com violência psicológica, dizendo que ela era uma péssima mãe e que iria tirar a guarda dos filhos, afirmando ainda que tinha medo de que ele fizesse algo contra ela ou contra as crianças, e que os filhos apresentavam sinais de trauma, como pesadelos, medo e agressividade.
O juiz, ao analisar o caso, invocou a Lei 14.713/23 e a Lei Maria da Penha, que visam coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, e deferiu a liminar para conceder à mulher a guarda provisória unilateral dos filhos e suspender o regime de convivência do ex-marido com eles, até que fosse realizado o estudo psicossocial com o núcleo familiar.
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O juiz também determinou que o ex-marido pagasse pensão alimentícia e se abstivesse de praticar qualquer ato de violência contra a mulher e os filhos, sob pena de multa e prisão.
Essa decisão é importante para evitar casos trágicos, como o das crianças Sophia Alves Toledo, de 3 anos, e Maria Cecília Silva de Souza, de 5 anos, que foram assassinadas pelos próprios pais, em julho e maio de 2023, respectivamente, em situações de violência doméstica e familiar. Esses casos chocaram o país e evidenciaram a urgência de medidas que protejam as crianças e os adolescentes que vivem em lares violentos.
Avanço
Para a advogada Tatiane Ferreira, especialista em Direito de Família e presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica, da OAB Anápolis, a Lei 14.713/23 é um avanço na proteção das mulheres e dos filhos que sofrem violência doméstica e familiar. Ela explica que a lei reconhece que a guarda compartilhada não é adequada nesses casos, pois expõe as vítimas a novas agressões e violações de direitos.
“A lei é um avanço na proteção das mulheres e dos filhos que sofrem violência doméstica e familiar, pois impede que o agressor tenha o mesmo poder de decisão sobre a vida dos filhos que a mãe, que é a vítima. A guarda compartilhada pressupõe uma relação de respeito, cooperação e diálogo entre os pais, o que não existe em casos de violência. Além disso, a guarda compartilhada pode ser usada pelo agressor como uma forma de controlar, intimidar e manipular a mulher e os filhos, causando mais sofrimento e danos”,
afirmaTatiane
A advogada também elogia a possibilidade de suspensão ou restrição do direito de convivência do genitor agressor com os filhos, até que sejam realizados estudos psicossociais com o grupo familiar. Ela diz que essa medida visa preservar a integridade física e psicológica das vítimas, bem como garantir o melhor interesse da criança e do adolescente.
“A suspensão ou restrição do direito de convivência do genitor agressor com os filhos é uma medida cautelar, que visa proteger as vítimas de novas violências e avaliar a situação do grupo familiar. Não se trata de uma punição ao pai, mas de uma forma de resguardar a segurança e o bem-estar da mãe e dos filhos. O direito de convivência é fundamental para o desenvolvimento da criança e do adolescente, mas ele deve ser exercido de forma saudável, respeitosa e afetiva, e não de forma violenta, abusiva e nociva”,
destaca.
A advogada cita ainda o caso recente da apresentadora Ana Hickmann, que registrou um boletim de ocorrência contra o marido, Alexandre Correa, por violência doméstica. Ela diz que o caso ilustra a importância da Lei 14.713/23, que pode impedir que situações como essa se repitam.
“O caso da Ana Hickmann é um exemplo de como a violência doméstica e familiar pode atingir qualquer mulher, independentemente de sua classe social, profissão ou fama. Ela denunciou o marido por agressão física e verbal, na frente do filho de 10 anos, e pediu o divórcio. Ela recusou as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, mas poderá se beneficiar dessa Lei.
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