Toda vez que chega o Natal e o Ano Novo me recordo de um fato acontecido comigo e fico muito triste. O Natal é uma época muito feliz para uns e muito triste para outros. Feliz para crianças que ganham presentes ,para rapazes e moças que ganham uma viagem, para os idosos que vão para as praias, para os casais e namorados que passam o Réveillon num cruzeiro, para o filho que passou no vestibular e outros que ganharam um carro.
Triste para aquelas crianças que não ganharam presentes, triste para as mães que perderam um filho durante o ano ou no Natal anterior, para a família que teve um filho preso, para outra familia que tem um drogado em casa, para aqueles moradores que não tiveram a rua asfaltada, para aqueles que não pagaram suas contas e os nomes foram para o SPC, para aqueles milhares de desempregados e principalmente para os que perderam entes queridos para esse maldito Covid-19.
Não gosto da época do Natal, minha esposa também. Ela acha que o Natal não é só guloseimas, compras e festas. Ela acha que o Natal deve ser para festejar o nascimento de Jesus Cristo e ser comemorado nas Igrejas. Tanto é que lá em casa ninguém ceia antes de voltar da missa do galo. Eu, particularmente não gosto porque me lembro de um episódio que me aconteceu quando eu era adolescente que passo a narrar.
Meus pais mudaram de Catalão para Anápolis em 1958, viemos de trem e eles alugaram uma pensão na avenida Tiradentes em frente a Igreja Santo Antonio, Pensão Tocantins, e daí minha mãe vinha a falecer de doença de chagas um ano depois. A coisa ficou feia. Meu pai não sabia cuidar do negócio e nós eramos 8 filhos menores e eu, o terceiro, com apenas 13 anos. Então meu pai teve de entregar a pensão e mudamos para um barracão de quatro cômodos no Jundiaí próximo ao grupo escolar Padre Trindade.
Numa noite chuvosa de Natal eu estava no centro da cidade por volta das 22 horas quando o comércio já fechava as portas ,pois daí duas horas seria meia noite,hora da ceia de Natal e no centro todos corriam com suas compras para chegarem em casa, isso só familias ricas ou de classe média, pois todos os produtos da ceia de Natal eram importados, exceto a nossa castanha do Pará, hoje castanha do Brasil.
Quando eu perambulava pelas ruas iluminadas do centro com minha caixa de engraxar nas costas, após um dia nada bom de grana, olhava as vitrines decoradas das lojas cheias de vidros e espelhos e me preparava para voltar pra casa de mãos vazias. Olhava os frangos girando na `televisão de cachorro’ no bar Elite da praça James Fanstone. Segui pela rua Manoel D’Abadia, passei nas porta do Hotel Cardoso onde tinhsa o ponto da Central de Taxi Seta, dos carros Sinca Chambord e Tufão, passei na porta do Marajoara Bar do Mosqueira, segui pelo Goyasbank, hoje Hotel Itamaraty, e segui até a Confeitaria das Crianças onde na vitrine havia doces, biscoitos e o famoso pudim que eu não podia comprar, virei a Goiás e entrei na rua Sete de Setembro onde olhei os cartazes dos filmes do Cine Vera Cruz. Olhando em frente na porta da Mercearia Prates vislumbrei uma caixa de madeira deixada na calçada .Olhei para os lados ver se ninguém me reparava ,a mercearia com portas meio baixadas e li no rótulo da caixa: Manzanas Argentinas. Abri a caixa e vi dezenas de maçãs verdes grandes e bonitas, umas com algumas manchas pequenas marrons e outras bem apodrecidas, e por isso foram descartadas como lixo. Fiquei feliz ,pois havia achado algo para levar para meus irmãos. Peguei as que estavam menos podres e as coloquei dentro da caixa de engraxar. Já em torno das 23 horas, chuviscando, desci todo contente pela Barão ,passei na porta da igreja Santana, cruzei a baixada do sapo pulando sobre os paus roliços das pinguelas do córrego das Antas e segui pela Avenida Mato Grosso desviando das poças d’água que brotavam das minas daquele lugar e cheguei em casa meia noite onde meus irmãos já dormiam No dia de Natal pela manhã foi aquela festa, saboreando todos as maçãs verdes deliciosas.
É por isso que todas a vezes que vejo maçãs verdes ou quando chega época de Natal me lembro desse fato, me dá um nó na garganta e lágrimas começam a rolar sobre meu rosto, inclusive agora que escrevo esse artigo. Choro, não por causa das maçãs, mas pelo orgulho de hoje, eu e meus irmãos estarmos todos formados e realizados e também por podermos hoje comprar não só umas maçãs ,mas talvez um caminhão cheio delas. É o exemplo de superação de obstáculos vividos na trajetória da vida que hoje aos 76 anos me sinto realizado profissionalmente como ex-radialista, professor de Inglês, publicitário e jornalista.
Parabéns meu grande professor.
Feliz ANo Novo