Por Samuel Vieira, reverendo
Gastamos a maior parte da nossa idade trabalhando ou envolvidos com o trabalho, procurando trabalho e falando do trabalho. Mencionar o trabalho é até uma forma social de iniciar uma conversa: “Eu sou ….” ou “Eu trabalho em…”. Assim tem sido desde sempre e de forma mais profunda na era industrial. Muitos valorizaram e valorizam mais o trabalho que as relações afetivas ou a fé.
Com o surgimento da tecnologia, o trabalho tem sido cada vez menos físico e mais intelectual. Há mais liberdade de escolher a educação e de poder trabalhar nas áreas nas quais cada um se sente recompensado, cuja remuneração satisfaça e assegure o status social desejado.
Com a economia digital, o trabalho exige plena atenção, habilidade para criar, produzir, vender, inovar e consumir. Apesar de ocupar papel central na vida do ser humano, recentemente, um forte movimento surgiu nos EUA e tem sido chamado de anti-work movement.
A pergunta que a repórter Sheila Flynn levanta no jornal inglês The Independent é interessante: é possível realmente existir um mundo sem trabalhos? Ela analisa o fenômeno atual de um grande número de pessoas que pediram demissão. As estimativas apontam que 4 milhões de pessoas decidiram não mais trabalhar em seus empregos formais.
Últimos dias de matrículas no Colégio Couto Magalhães
Na verdade, este movimento não defende explicitamente a ideia de não trabalhar, mesmo porque as pessoas precisam sobreviver; mas expressa um desejo profundo de mudança, que ficou mais acentuado na pandemia. Um fórum foi criado, Reddit, e tem crescido vertiginosamente. O número de pessoas inscritas aumentou 400% em um ano, alcançando quase 1 milhão de assinaturas.
A proposta deste fórum é “começar um diálogo sobre a problemática do trabalho como conhecemos e resistir aos valores dos gerentes e corporações que se encontram acima das necessidades dos trabalhadores e das relações abusivas do trabalho”.
Em Outubro de 2021, Elle Hunt, colunista do prestigiado The Guardian, escreveu um artigo sobre o assunto em que aprofunda a discussão e explora a crítica sociológica que este movimento suscita sobre o modelo “exaustivo e insustentável de trabalho” – responsável pela sustentação da atual economia.
Os líderes do movimento reconhecem que precisam ter dinheiro para pagar as contas e colocar comida na mesa, mas se trata de uma reação a um sistema trabalhista estressante a que os trabalhadores têm sido submetidos. Eles advogam a necessidade de as pessoas encontrarem um estilo de vida mais saudável, mais feliz e que realmente traga significado.
Trata-se, portando, de uma reflexão sobre o papel da produção e do trabalho. Qual lugar ele deve ocupar em nossas vidas e prioridades? É possível repensar o modelo atual, mola mestra da Era Industrial? Estaríamos iniciando um processo sobre as relações de trabalho capaz de marcar a sociedade moderna nas próximas gerações? Bem… apenas o tempo poderá responder estas profundas questões.