Gêza Maria Vilela
Depois de tudo, aquelas fotografias deixaram de ser imagens congeladas, feitas de pixels e combinações de cores. No transcorrer dos dias, quando se deparava com os recortes cheios de gente fazendo pose para ocupar um lugar na história, era o mesmo que levantar a tampa pesada de um enorme baú – caixa de madeira em que se guardam coisas importantes para revirar um dia, nas sobras de tempo.
Mas não se tratava de um vasculho ordinário e banal. Nada disso! Aquilo era coisa experimental e ativa em que o observador participava, repetidamente, dos fatos, conversas e eventos ocorridos anos atrás. Curiosamente, as cenas paralisadas pareciam ganhar vida no presente diante de tão grande apelo e esforço de memória.
Era quando buscava conexão com o que vivera, ainda que os mundos fossem tão separados quanto dois continentes posicionados em coordenadas geográficas opostas. E era preciso tudo aquilo… ensimesmar-se diante das imagens agora guardadas no telefone com o aval da última tecnologia.
Ainda que o redor gritasse, buzinas soassem e a vida barulhenta e pulsante seguisse sem trégua, recolher-se naqueles quadros era atitude que adotara para afugentar o medo horrível que sentia: o de esquecê-lo para sempre. Aventar essa hipótese era algo tão indesejado que quando pensava também surgia um profundo e demorado mal-estar!
Nos mais significativos momentos, nas horas mais felizes daqueles sorrisos… cada fotografia era um flash de filme assistido. Lembrava-se dos diálogos, da noite radiante, da escolha da roupa para a ocasião, do cheiro do ambiente e horinhas wue o antecederam, bem como das impressões causadas pelas pessoas no dia daqueles registros.
Considerava aquele processo, o de virar estátua diante de uma foto, como segundos ultravaliosos de uma viagem pra perto de quem não mora mais aqui. Contrária e ironicamente, via que as cenas caras demais viviam presas no rolo de uma câmera, no frágil cartão SD enquanto que, na realidade do coração, eram todas pedras preciosas do baú aberto de propósito, com finalidade distinta, pela saudade!
Ah… a saudade! Ela sempre temperava tudo, escondia defeitos, não via coisas ruins e parecia selecionar aquilo que bem entendia, já que existia para reclamar a perda e extinguir a concreta separação entre os que aqui estão e os que daqui partiram. Era nutrida por ela, a saudade, que revisitava o passado e mexia no baú das imagens do pai – cujas demonstrações concretas de amor seguiam indestrutíveis.
Em meio ao mergulho no mar aberto das lembranças, de certo modo se sentia bem ao notar a existência de um contraditório, já que uma vez saudosa dele convencia-se de que jamais o esqueceria. Isso provava que o amor que sentia não acabaria jamais!
Então assim se livrou do medo, em Deus encontrou paz de espírito mais uma vez e foi dormir agradecida por tê-lo tido por perto tantos anos na vida!
- Gêza Maria Vilela
- É jornalista apaixonada pela escrita
- Atua à frente da agência Casa do Verbo