O Código Civil brasileiro está prestes a passar por sua maior reforma em 20 anos. O Projeto de Lei 4/2025, em tramitação no Senado, propõe alterações profundas em mais de mil artigos, abrangendo temas como direito de família, herança, divórcio e direitos digitais.
Apresentado pelo ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o texto busca atualizar a legislação para refletir as transformações da sociedade contemporânea.
A proposta se baseia em um relatório de juristas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicado em abril de 2024, e inclui medidas como o reconhecimento formal de famílias socioafetivas e a regulação de questões digitais. Especialistas destacam que, antes do atual Código, promulgado em 2002, vigorava a legislação de 1916, que permaneceu quase um século em vigor no país.
Principais mudanças no Código Civil
Novas definições de família
O projeto amplia o conceito de família, permitindo a multiparentalidade legalizada, onde crianças podem ter mais de um pai ou mãe em documentos, independentemente do vínculo biológico. Também prevê a validação da paternidade por declaração materna em casos de recusa do exame de DNA.
De acordo com a advogada Sabine Müller, especialista em Direito Processual Civil, o Código Civil de 2002 fundamenta a família no casamento, na união estável e na filiação. “A proposta visa reconhecer novos arranjos familiares, incluindo famílias simultâneas (relações paralelas duradouras) e famílias fora do casamento ou união estável, desde que haja vínculo afetivo e convivência pública”, explica.
Reconhecimento de uniões homoafetivas
O projeto também propõe o reconhecimento oficial das uniões homoafetivas, garantindo os mesmos direitos das uniões heterossexuais. Além disso, permitirá o divórcio ou a dissolução da união estável de forma unilateral, sem necessidade de anuência da outra parte. Outra novidade é a possibilidade de alteração do regime de bens diretamente em cartório, sem necessária ação judicial.
Pensião para sogras e dependentes indiretos
Uma das propostas mais polêmicas é a inclusão de sogros e sogras como possíveis beneficiários de pensão alimentícia. Atualmente, o Código Civil determina essa obrigação apenas entre ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuges. No entanto, a nova proposta prevê que sogros e sogras, enteados ou outros dependentes possam requerer apoio financeiro após o término de uma união, desde que comprovem dependência econômica e vínculo afetivo duradouro.
“Essa mudança abre um precedente inédito e pode gerar discussões sobre a amplitude dos deveres familiares”, avalia Sabine Müller. Apesar da controvérsia, a ideia visa proteger indivíduos que, durante anos, dependeram financeiramente do casal.
Direitos para amantes e herança
Outro ponto em discussão é a possibilidade de anulação de doações feitas a amantes até dois anos após o fim do casamento. O projeto também pode alterar regras de herança, excluindo cônjuges da linha sucessória quando houver descendentes diretos, como filhos e netos.
Embora relações extraconjugais ainda não sejam reconhecidas juridicamente, há propostas que buscam regulamentar famílias simultâneas. “Se houver notoriedade, dependência econômica e duração, podem surgir efeitos patrimoniais”, pontua a advogada. No entanto, a questão encontra forte resistência no meio jurídico e social.
Reprodução assistida
O texto também assegura que todas as pessoas concebidas por técnicas de reprodução assistida tenham os mesmos direitos e deveres de indivíduos gerados de maneira natural. Esse ponto busca pacificar questões que atualmente dependem de interpretações judiciais.
Visão do STJ sobre as mudanças
O vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, um dos principais elaboradores do anteprojeto, destaca que a reforma tem como objetivos:
- Garantir maior autonomia de vontade para os cidadãos;
- Reduzir a burocracia e desjudicializar processos;
- Estimular o empreendedorismo e um ambiente de negócios mais favorável;
- Assegurar atualização do Código sem comprometer a segurança jurídica.
Uma das novidades é a criação de um livro específico sobre direitos digitais, estabelecendo normas para a era cibernética.
Tramitação e desafios
Antes de se tornar lei, o projeto precisará passar por intensos debates no Congresso. Analistas estimam que sua tramitação possa levar meses ou até anos, dada a complexidade das alterações propostas. A aprovação dessas medidas pode representar uma transformação histórica no Direito Civil brasileiro.
Com informações de nd+
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