Problema afeta os principais centros urbanos do mundo, por diferentes motivos
No ano passado 150 bairros experimentaram falta d’água no município e houve esquema de racionamento. As crises se repetem desde 2014, quando a fragilidade do sistema de captação, tratamento e distribuição da Saneago foi exposta. Mas, para entender de fato esse problema é necessária a compreensão de vários fatores que se alinham como causas de escassez. A falta d’água é uma realidade nos principais centros urbanos do mundo. Em Anápolis, o problema reúne causas que são comuns entre eles, mas também tem suas particularidades.
De acordo com o secretário de Meio Ambiente, Jakson Charles, o primeiro fator é o relevo. Anápolis é uma cidade cumeeira, ou seja, cheia de cumes, morros. Isso significa que o que chega pelas chuvas tende a escorrer rapidamente para os córregos, que levam embora esse conteúdo para os rios. Nossa área fica numa região de planato, a 1.000 metros de altitude, rico em nascentes, mas pobre em rios de grande volume. Estudos mostram que cidades cumeeiras geralmente enfrentam uma dificuldade geográfica importante para manter seus estoques.
O segundo fator é o clima. Jakson explica que estamos numa região tropical, onde tradicionalmente se encontram desertos. É assim em outros continentes, como a África e a Ásia. O mesmo só não acontece com o cerrado por causa da umidade produzida pela Amazônia. Todos os anos chega ao Planalto Central um volume de vapor d’água 2 vezes maior que a própria vazão do maior rio do mundo, transportado pelos ventos que sopram para o oeste no verão. Essa umidade encontra a Cordilheira dos Andes e retorna para a parte média do país em forma de chuvas. São 113 dias de precipitação por ano. O problema é que esses dias ocorrem num período de 6 meses, entre outubro e março, concentrando as chuvas num pequeno intervalo de tempo, o que reduz a janela de captação. No inverno, a mudança é radical e aí, realmente experimentamos um clima desértico em termos de umidade relativa do ar e precipitação.
Agora vamos analisar o fator histórico. Ninguém imaginaria que Anápolis chegaria aos 375 mil habitantes quando as primeiras pessoas decidiram se fixar ao longo do córrego Antas. E ele foi fonte de água mais que suficiente por um bom tempo. Suportou o primeiro grande crescimento demográfico com a chegada da ferrovia e dos imigrantes japoneses, árabes, italianos e também de outros estados brasileiros. Os primeiros equipamentos de captação e distribuição foram instalados em 1952. Em 1963 a prefeitura sentiu a necessidade de criar a Sumsam para administrar a captação e distribuição. Mas a ausência de uma rede de esgoto, aliada aos maus hábitos da população e ao mau uso do solo logo diminuíram e poluíram o Antas.
Em 1976 foi preciso adotar o ribeirão Piancó como fonte. A Saneago, administrada pelo Estado só surgiu em 1967, quando passou a ser responsável pelo serviço. Naquela época, a preocupação com o meio ambiente ainda não era prioridade e pouco se sabia sobre como permitir a expansão urbana de forma sustentável. Na década de 70, a quantidade de pessoas sofreu um segundo momento de ascensão. Com isso, o solo foi sendo impermeabilizado com cimento e asfalto, símbolos do progresso. O Antas foi canalizado e acelerou seu declínio. Sem animais e vegetação, se tornou morto ao longo do perímetro urbano, com menos da metade da vazão original. Enquanto isso, o Piancó era cada vez mais exigido, tanto pela sede urbana quanto pelas necessidades agrícolas da zona rural. A falta de planejamento e a ausência do conhecimento que se tem hoje ainda promoveram um desmatamento colossal, que também apresenta seus reflexos na atual dificuldade de manter Anápolis bem abastecida.
O quarto e último fator é a infra-estrutura de captação e fornecimento. O tempo passou rápido e, da virada do milênio até hoje, a cidade vive seu terceiro aumento populacional. Um sitema antigo e preparado para as décadas de 80 e 90 não foi páreo para as exigências das indústrias e dos moradores da área urbana. Juntos eles consomem hoje 800 litros de água por segundo. Praticamente o limite das estações de captação e tratamento. Somando um desperdício de 30%, a falta de uma barreira para servir de reservatório e a retirada de água dos córregos para manter as atividades agropecuárias ao longo deles, fica mais fácil entender que a situação está longe de ser confortável. Cada habitante consome em média 130 litros por dia. Acima do preconizado como ideal pela ONU, mas abaixo das médias nacional (154) e goiana (150).
É possível resolver o problema?
“Sem dúvida é possível”. A afirmação é do diretor de Recursos Hídricos, Antônio Zayek. Para ele, a aplicação de conceitos modernos de gestão ambiental é a saída para trazer estabilidade, deixando para trás o cenário de escassez. “O problema não é da atual gestão, vem de décadas de negligência técnica e política. Mas as soluções existem e estão sendo aplicadas”, diz ele. De acordo com o diretor, a preocupação com o meio ambiente é hoje uma das principais pautas de qualquer governo. Por isso, investe-se em planejamento para resolver questões a curto, médio e longo prazo.
Zayek explica que a construção de soluções é feita de dois lados. Num deles está o poder público e no outro, os moradores. “A população também está mais esclarecida. Já não se vê mais as pessoas lavando calçadas, carros e até a rua, como antigamente. Passa-se menos tempo no chuveiro. Aproveita-se água da chuva e a legislação municipal se adequou para deixar espaços não impermeabilizados em cada unidade comercial, industrial ou residencial.
Com o consumo consciente e as melhorias do sistema de abastecimento, aliadas às técnicas para aumentar a vazão de água na superfície, tudo será resolvido”, acrescenta.
A confiança do secretário se justifica. Desde 1994 a Saneago tem implantado um programa de qualidade que envolve manutenção e adequação do sistema de abastecimento. Em 2012 ela teve aprovado o Plano Municipal de Saneamento Básico, com as principais ações para solucionar a escassez de água no município. Depois da crise de 2014, a Saneago também passou a monitorar a irrigação no campo. Foi criado um cadastro que serve de controle das atividades agrícolas na área rural, inclusive determinando a interrupção da irrigação nos casos de queda acentuada de vazão. Um programa de recuperação ambiental também foi lançado para incentivar o incremento do volume de água nas nascentes dentro das propriedades rurais. Quem participa recebe um valor em dinheiro, correspondente ao aumento da produção de água na superfície da fazenda. Com a adesão dos proprietários, técnicos visitam a área e apontam as medidas a serem tomadas. Tudo isso de forma gratuita. Geralmente essas medidas, num primeiro momento, se resumem a cercar os brotos d’água para evitar que sejam pisoteados pelos animais. Depois são plantadas árvores nativas ao longo do percurso, garantindo a proteção necessária.
Outra ação é o reflorestamento de cumes, geralmente de pouca utilidade numa propriedade rural. Assim, acaba-se com as erosões e ao mesmo tempo aumenta-se o volume de água penetrado no solo. Por último, são criadas curvas de nível profundas e com vegetação, para conter a água que escorre nos pastos em declive, permitindo também que o alençol freático receba um volume bem maior através da infiltração. São medidas recentes, mas de grande impacto que já geram resultados. “A população tem razão em reclamar. A falta de água é algo sério, que emperra a vida das pessoas. Mas é preciso que todos entendam que estamos trabalhando duro para resolver e que, sem isso, a situação já estaria fora de controle há muito tempo”, completa Antônio.
O triste é ver nesse período as pessoas lavando calçadas e até rua com água . O problema não é só gestão política o problema são as pessoas que não tem consciência nenhuma para economizar agua