Plano de manejo deve colocar fim no conflito entre agricultores pelo uso da água.
Estudos mostram que aproximadamente 70% do volume de água disponível na bacia do piancó é consumido em atividades ligadas à agricultura e pecuária. Isso não acontece só em Anápolis. Em todo o mundo, as atividades rurais são as que mais consomem recursos hídricos. Nos países mais desenvolvidos esse índice cai para 50%, enquanto nos mais atrasados, pode ultrapassar os 85%. Essa diferença ocorre por causa do tipo de tecnologia empregada. Na agricultura convencional, que utiliza alagamento, pivôs comuns e pontos de irrigação que simulam a chuva, 80% da água se perde por fenômenos como a evaporação. Já as técnicas de gotejamento, que aplicam água diretamente no solo conseguem atingir os mesmos resultados gastando até 95% menos líquido.
Por causa disso, desde 2014 quando Anápolis sofreu a primeira grave crise de abastecimento, a Saneago voltou sua atenção para a região do Piancó. O objetivo era cadastrar os produtores rurais que usavam a bacia em suas atividades e regular esse uso, estabelecendo limites para o bombeamento. Isso foi feito. Mas, no momento em que a empresa apresentou o volume de água que estaria disponível para o uso rural, a reação dos agricultores e pecuaristas foi imediata. A quantidade não seria suficiente para sustentar as lavouras e rebanhos. A Saneago não voltou atrás e intensificou a fiscalização, eliminando pontos de retirada de água irregulares, interditando pivôs e motores e aplicando multas. Os produtores protestaram sob a alegação de que não eram os vilões da falta de água no município, uma vez que a cidade não poderia sobreviver sem o alimento criado na zona rural. O impasse dividiu a opinião pública e a prefeitura entrou na briga para mediar uma solução .
A demanda chegou ao Ministério Público, que ouviu as partes e chegou a uma conclusão, recomendando a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) na bacia do Piancó. A recomendação foi acolhida e a APA foi criada por um decreto do prefeito Roberto Naves em julho de 2019. Diferente da Área de Preservação Permanente (APP), que proíbe qualquer atividade ou alteração no ecossintema, a APA permite a exploração racional e consciente dos recursos naturais. De acordo com o o secretário municipall de Meio Ambiente, Jakson Charles, essa era a peça que faltava para solucionar o problema. Segundo ele, uma redução de apenas 10% no volume usado pelos produtores na bacia do Piancó já teria impacto significativo na economia de água, voltando a permitir o crescimento econômico do município em várias frentes. “Isso é perfeitamente possível se utilizarmos técnicas modernas de irrigação”, explica ele. Para Jakson, os produtores do Piancó não são vilões e ninguém está contra eles nessa disputa pela sobrevivência dos recursos naturais. “O que queremos é disciplinar o uso da água e permitir que a sociedade ganhe. É por isso que estamos nos debruçando na elaboração do chamado Plano de Manejo”, enfatiza.
O secretário explica que o Plano de Manejo é algo amplo e atinge 3 objetivos. Protege a cidade da falta de abastecimento, protege o meio ambiente e protege os produtores rurais, que terão seu direito de exploração garantidos. “O que muda é a forma como tudo isso vai acontecer, gerando resultados imediatos, mas principalmente resultado no futuro”, completa. Para se ter uma idéia do poder desse documento, será possível obter financiamentos para modernizar as técnicas de irrigação e recompor áreas de matas dentro das propriedades ou indenizações quando o rio cair sua vazão e as atividades de irrigação tiverem que ser interrompidas. Engenheiros e técnicos vão determinar a intensidade das ações e os locais onde devem ser desenvolvidas. Estão sendo levantadas as condições de relevo, clima e mercado para apontar que atividades são as mais adequadas para a região e o que pode ser feito para otimizar o uso da água evitando a escassez no abastecimento, principalmente no período de seca, entre abril e setembro.
Plano de Manejo deve reverter o clima na região, que vinha perdendo 6% do volume de chuvas a cada ano. O reflorestamento ciliar e em áreas em que o aproveitamento econômico dentro da propriedade é mínimo (topos de morros, por exemplo), aliados à proteção de nascentes, eleva o índice de evaporação, aumentando a umidade do ar e favorecendo a precipitação. Um incremento importante ao ciclo da água que acaba beneficiando diretamente os produtores com mais chuva e mais água.
