POR KAYO FRAGA

Nos últimos dias acompanhei com atenção, e confesso com uma sensação de déjà-vu, os discursos inflamados que saem de Brasília. A palavra da moda é “soberania”, repetida como mantra, como se bastasse declamá-la em microfones internacionais para que os mercados se curvassem em respeito e as grandes potências recuassem por reverência. Lamento informar: não é assim que o mundo funciona, e a história é uma testemunha implacável disso.
A ilusão da soberania ilimitada é tão antiga quanto o próprio conceito de Estado moderno. Desde que os Estados Unidos exibiram ao mundo o poder de duas bombas em 1945, ficou claro que a verdadeira soberania internacional não se garante com discursos, mas com poder de dissuasão real. A Rússia aprendeu rápido, a China seguiu o caminho, a França e o Reino Unido trataram de garantir seus arsenais. Nenhum deles jamais teve de justificar sua política externa sob pena de tarifas punitivas ou bloqueios econômicos irreversíveis.
No clube das potências sem bomba, o enredo sempre foi outro. Falamos alto, defendemos princípios, exigimos respeito, mas quando o jogo endurece, somos obrigados a sentar à mesa e aceitar termos que não escreveríamos se tivéssemos munição geopolítica. A verdade é dura: no sistema internacional, soberania se mede em ogivas, não em discursos. O Brasil se encaixa perfeitamente nesse segundo grupo. Nosso PIB pode impressionar regionalmente, mas não muda as regras globais. Nosso exército é respeitável internamente, mas não intimida ninguém em Washington, Moscou ou Pequim. E nosso maior ativo, a diplomacia, raramente vence contra tarifas de 50% ou sanções direcionadas a autoridades nacionais.
Podemos repetir quantas vezes quisermos que “soberania não se negocia”. Mas soberania sem força é como cheque sem fundos: bonito na assinatura, sem valor na hora da compensação. E o mercado internacional é um banco que não perdoa calote discursivo. Os Estados Unidos mostraram isso agora, e podem ir além: novas barreiras comerciais, pressões financeiras, suspensão de acordos tecnológicos e até isolamento em foros multilaterais não são cenários distantes se a escalada continuar. Quem paga a conta? A indústria brasileira, o investidor estrangeiro que hesita em aportar capital aqui e, claro, o cidadão comum, que acaba pagando a conta no câmbio e no preço do dia a dia.
Os últimos 70 anos de história global ensinam uma lição dura: no sistema internacional, soberania é privilégio de quem pode se defender ou se impor, seja pela bomba nuclear, pela moeda forte ou por um poder econômico tão essencial que ninguém ousa desafiá-lo. O resto é formalidade diplomática, um direito bonito no papel, mas que se dobra facilmente à força dos fatos.
Enquanto o Brasil não tiver instrumentos para fazer valer suas próprias linhas vermelhas, e não falo de bravatas, mas de poder real, continuaremos reféns de decisões externas que podem reescrever, de um dia para o outro, os rumos da nossa economia. Até lá, a soberania seguirá sendo um discurso inflamado para auditórios domésticos, enquanto a conta chega pesada, convertida em tarifas, sanções e instabilidade.
Kayo Fraga, empresário e estrategista de patrimônio.
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