A violência sexual contra crianças é um mal que atinge todas as classes sociais no País. A inocência infantil é colocada em risco pela vantagem que tem o agressor sobre a vítima no que diz respeito à estrutura física, emocional e, até mesmo, financeira. Em Anápolis, estimativas do Centro de Referência em Assistência Social do Município (CREAS) apontam um dado alarmante: os casos notificados pelos órgãos competentes no município representam apenas a metade do total de agressões sexuais sofridas por menores de 14 anos.
Analisando-se os dados de 2009 na cidade, tem-se que 134 crianças que sofreram algum tipo de violência sexual, foram encaminhadas para o CREAS. Desses casos, 120 são de abuso, que engloba qualquer prática de ordem sexual praticada na presença ou juntamente com a criança. Os 14 atendimentos restantes foram de vítimas de exploração sexual, em que há o aliciamento de pessoas para a prática da prostituição.
Entretanto, os casos podem chegar a mais de 400. De acordo com o juiz de direito da Vara da Infância e da Juventude de Anápolis, Carlos José Limongi, “o número é bastante preocupante, chama a atenção. Com certeza é mais que o dobro, talvez mais que o triplo”.
Um dos grandes problemas na identificação dos casos é que muitas vezes a violência sexual se torna um assunto velado dentro das famílias. Muitos pais têm dificuldades em aceitar que seus filhos possam sofrer violência sexual e acabam deixando de tocar no assunto. Além disso, a denúncia de casos de maus tratos significa a exposição tanto das crianças como do pai e da mãe.
Existem casos relatados no CREAS de mães que rejeitam suas filhas por conveniência. Muitas mulheres, não querendo abrir mão da vida em companhia de seus maridos abusadores, acabam preferindo encobrir o fato.
Para o juiz Carlos Limongi, “é necessário que as pessoas não sejam coniventes e denunciem. Que não se calem”. Ele acrescenta que as campanhas feitas pelos órgãos competentes têm melhorado o quadro no município. “Porém, infelizmente, nós contamos com a conivência de muitas pessoas, por pressão, ameaças de morte ou então a pressão financeira”.
A proximidade da vítima com o agressor e a pressão financeira foram levantadas como fatores que facilitam a prática da violência sexual e dificultam as investigações. Carlos Limongi citou o caso de uma mãe de duas filhas que se casou por duas vezes. O segundo marido passou a manter relações sexuais com as meninas e com a mãe ao mesmo tempo. Segundo o juiz da infância e da juventude, “essa foi a condição: ele condicionava esta estado de coisas para manter o casamento. E a mãe mantinha essa situação porque fazia viagens frequentes à Europa, ele a sustentava, a situação era cômoda. Então, a mulher submetia suas filhas a essa violência”. O caso só foi veio à tona e pôde ser investigado quando uma das duas filhas pulou de uma camionete tentando o suicídio.
Segundo observações do grupo de trabalho do CREAS no Município, existe ainda uma agravante quando a violência sexual é praticada por um parente próximo da vítima. No caso de pai e mãe agressores, a criança deve ser afastada do convívio familiar, evitando-se assim o risco de repetição da agressão.
Muitas são retiradas do bairro onde residem, para morarem com famílias acolhedoras. Além disso, se a mudança é feita para uma localidade afastada da sua, a vítima tem seu convívio social e rotina completamente alterados. Muitas têm que ser matriculada em outra escola, por exemplo.
O fato de as crianças vítimas apresentarem sintomas de reclusão quando são agredidas sexualmente, dificulta a identificação do caso pela família. Por isso, o grupo de trabalho do CREAS aconselha os pais a ficarem atentos aos sinais apresentados pelos filhos, que nem sempre vão contar o ocorrido. Além disso, é preciso acreditar que quando a criança denuncia uma agressão, deve-se apurar com profundidade, pois, segundo o grupo, geralmente elas estão dizendo a verdade.
Devem-se identificar mudanças no comportamento, estados depressivos, isolamento, fatores esses que podem indicar um caso de violência sexual. Também pode ser relatada a diminuição do rendimento escolar, na infância, insônia, problemas orgânicos e psicológicos e sexualidade precoce.
Outra consequência é que vítimas de abuso sexual na infância podem ter uma vida sexual insatisfatória na idade adulta. Além disso, acredita-se que a maioria dos agressores tenha sofrido abuso sexual quando criança. Observações do Juizado da Infância e da Juventude indicam uma repetição nos casos de violência sexual. Defende-se nesse sentido que, tanto o abusador, quanto o abusado, sejam submetidos a um tratamento. “Hoje existe o tratamento para a vítima, não para o abusador. Isso possibilita que o risco de que o crime se repita aumente”, completa o Juiz Carlos Limongi.
O juiz de direito apontou, ainda, as dificuldades existentes pelo fato de não haver no município uma delegacia de proteção a crimes contra a criança e o adolescente. “Existe a promessa do secretário de Segurança Pública do Estado, Ernesto Roller, de que a delegacia seja criada ainda no primeiro semestre de 2010”, afirma.
Uma das dificuldades apontadas pelo CREAS nos casos em que há a agressão sexual contra crianças, é a lentidão dos processos investigativos. Muitas vezes, é demorado o processo de retirada da vítima do contato com o agressor, assim como o encaminhamento daquela para uma família acolhedora.
Entretanto, para o Juiz Carlos Limongi, deve-se reconhecer os avanços no Município. “Melhorou a questão das denúncias, as pessoas estão mais confiantes com a criação do 0800, o disque 100, então começaram a chegar mais denúncias”, diz.
Além disso, o trabalho de investigação melhorou pela integração entre vários órgãos competentes. “Hoje temos uma equipe montada. Se o caso chega ao conselheiro tutelar, delegacia e o CREAS já vão ser avisados, para que o atendimento seja feito mais rapidamente possível”.
Para ele, entretanto, é necessário que a Secretaria de Segurança Pública do Estado agilize o processo de criação da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente. “Isso facilitaria até mesmo o processo de exames de corpo de delito no IML”, completa.
Para Carlos Limongi, um dos caminhos para se coibir a prática de violência sexual seria a castração química do agressor. O processo consiste na aplicação de um medicamento que inibiria a libido de determinada pessoa que oferecesse risco. Entretanto, o projeto de lei ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. “a vantagem da castração química é que ela evita a reincidência do abuso quando o agressor sai da prisão”, diz.
A vítima
A sedução de uma criança por parte de um agressor nem sempre se dá de maneira agressiva. Quem comete a violência sexual age de forma sorrateira, de maneira a evitar que o crime seja descoberto. Para a psicóloga jurídica, social e clínica Lúcia Helena Nunes, “o processo de sedução é iniciado com o agressor oferecendo algo de que as crianças gostam, como doces, balas e bolachas. É um processo que se dá com tranqüilidade e calma”.
Depois que o crime ocorre, é comum que a vítima se torne mais quieta, calada e afastada do convívio social. “Ela começa a chorar de maneira descontrolada, seu rendimento escolar cai, ela tem dificuldades de falar sobre o assunto”, afirma Lúcia Helena. Além disso, pode acontecer que a vítima se afaste de determinadas pessoas, o que pode indicar quem é o agressor.
Quando a família descobre que a criança foi vítima de violência sexual, deve-se primeiramente encaminhar o caso aos órgãos competentes, como Conselhos Tutelares, Juizados da Infância e da Juventude e os CREAS.
O Juiz da Infância e da Juventude determina em grande parte dos casos que a vítima seja encaminhada para tratamento médico, quando houve lesão corporal, e psicológico. No CREAS, os tratamentos consistem em promover a superação da violência sofrida, para que a vítima se reintegre ao convívio social.
Para Lúcia Helena, as sequelas para crianças vítimas de abuso sexual são variada conforme o caso. “Quanto antes for feita a denúncia, melhores são as chances de recuperação da vítima”. “Dessa maneira, as chances são enormes de que ela se torne um adulto normal”, completa.
Pedofilia, exploração e abuso sexual
Existe a tendência de se atribuir o mesmo significado à pedofilia, abuso, violência e exploração sexual. Entretanto algumas diferenças são evidenciadas. Pedofilia é um estado patológico caracterizado pela atração de determinado indivíduo por crianças. É comum que essas pessoas apresentem interesse por assuntos infantis e prefiram a convivência com crianças a se relacionar com adultos.
Entretanto, nem todo pedófilo chega a cometer um ato de violência sexual. Um dos problemas apontados pela psicóloga Lúcia Helena é quanto à consciência que o indivíduo tem da doença. Quando a pedofilia é acrescida de algum tipo de doença de ordem mental, existe uma chance maior de que o estado patológico se transforme em agressão. “Depende do indivíduo (a consciência quanto a ter pedofilia). Se é uma pessoa normal, sadia, é consciente. Se é mentalmente doente, ele não tem consciência”, completa.
As causa da pedofilia podem ser encontradas na infância. O processo de identificação do indivíduo se dá por meio de uma avaliação clínica. Entretanto, nem sempre é fácil saber quem é o indivíduo pedófilo, pelo fato de a pessoa não se manifestar e pelas sutilezas desse estado patológico. Entretanto, existem traços que indicam a doença. Para Lúcia Helena, “muitas vezes o pedófilo se torna violento, agressivo”, o que facilita o seu reconhecimento. Há mais homens pedófilos do que mulheres.
Segundo o CREAS o abuso sexual é qualquer ato que interfira na sexualidade infantil. Nesses casos, a criança e obrigada a assistir conteúdo pornográfico, atos sexuais entre adultos, chegando mesmo a ocorrerem carícias nos órgãos sexuais da vítima.
Existem duas formas de abuso sexual: intra-familiar e extra-familiar. No primeiro caso, familiares se aproveitam da relação de proximidade que tem com a vítima para cometer o ato. São comuns casos de pais, mães, padrastos e madrastas que submetem seus filhos a conteúdo pornográfico e tocam suas partes íntimas.
Já o abuso extra-familiar diz respeito a pessoas de fora do convívio doméstico, mas que, de certa maneira, fazem parte do dia-a-dia da criança. São os casos das babás, vizinhos e amigos dos pais.
A exploração sexual é o uso de adolescentes e crianças para fins comerciais. Geralmente as vítimas são encaminhadas para algum estabelecimento ou vão para as ruas com a finalidade de se prostituir.
Em Anápolis, a presença da BR-153 facilita o tráfico de crianças e adolescentes para a prostituição. Os aliciadores, ou agenciadores, que lucram com a prática da exploração, submetem as vítimas a estados degradantes, pagando quantias irrisórias pelos serviços prestados. Além disso, quem pratica a prostituição está sempre sujeito a contrair doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS, Sífilis e Gonorréia.
De acordo com o grupo de trabalho do CREAS, o fato de Anápolis ser uma cidade industrial aumenta o índice de exploração sexual na região. Isso ocorre porque famílias inteiras são deslocadas para a cidade em busca de emprego nas indústrias. Dessa maneira, os agenciadores acabam se aproveitando de filhos de trabalhadores, que, não tendo opções melhores de sobrevivência, acabam cedendo.
A violência sexual é qualquer forma de violência que envolva atos de ordem sexual contra crianças. Entre os tipos de violência sexual, pode-se citar o estupro. A lei 12.015, de 7 de Agosto de 2009, que trata dos crimes contra a dignidade sexual, considera estupro qualquer tipo de violação sexual que envolva a conjunção carnal (penetração), sejam elas cometidas contra homens ou mulheres. A pena varia de 6 a 10 anos de prisão.
Já nos casos de estupro de vítimas menores de 14 anos, a pena varia de 8 a 15 anos de prisão. O aumento do tempo de reclusão se dá pelo que a lei chama de Estupro de Vulnerável, em seu artigo 217-A, que diz respeito aos estupros cometidos contra pessoas que não podem se defender do agressor, como deficientes mentais, idosos e menores de 14 anos.
Órgãos competentes
Segue lista dos órgãos competentes para o tratamento de vítimas de abuso sexual no Município
CREAS – Centro de Referência em Assistência Social
Telefone para contato: 0800 646 11 17
Conselho Tutelar:
Telefone para contato: 0800 646 11 14
Juizado da Infância e da Juventude
Telefone para contato: 3324 8342