Tenho por mim que este artigo é como a obra de Mario de Andrade: “Amar, verbo intransitivo”. Aprendi com a professora Edna Elói o sentido literário do título, e depois, com a vida e as pessoas, o sentido literal.
A tese de Andrade é que “Amar” é intransitivo porque não precisa de complemento. Ama-se. Ponto. Assim, acho que a compreensão, a capacidade de compreender é algo que merece igual reflexão. O que é compreender? E mais: o que é ser compreendido?
Pediram-me, dia destes, para eu que fosse compreensivo. Pensei, no ato: “como se eu não fosse” e “tudo bem, posso ser mais”. E descobri algo importante sobre compreensão. Não adianta você ser compreensivo e entender momentos, situações, questões difíceis da vida. Longe disto. Não é suficiente. Porque eu descobri que compreensão é antes de tudo um gesto de confiança. Mútua. Ao contrário do amar, intransitivo ao modernista (não esqueci, Edna), compreender é verbo de ligação. Ele precisa fundamentalmente de outros complementos. Entre eles, a confiança. Se quem pede para ser compreendido não confia que o outro está sendo compreensivo, não adianta. Quer exemplo? Dou vários, mas cito um.
A compreensão entre os amantes. Quando se escolhe um caminho a dois, e duas pessoas resolvem olhar na mesma direção, elas precisam estar juntas: significa estar do mesmo lado. Estar do mesmo lado significa compreender o outro em todas ou pelo menos em grande parte das suas dificuldades. Ajudá-lo. Ajudar quem se ama é prova inegável – inegável – de amor. E a contraprova é permitir-se ser ajudado. Porque tudo é amor.
No entanto, quando uma das partes enxerga na outra desconfiança, a ajuda sincera e amorosa, a compreensão de que o outro precisa e de que se está ali pronto para ajudar, se perde. Vira agressão. Ganha outros sentidos: parece que quem quer compreender, estar perto para ajudar – ainda que a “ajuda” seja a presença em silêncio – vira tentativa de domínio. E dominar alguém é fácil às vezes, e feio sempre. Quem ama não domina. “O seu amor, ame-o e deixe-o dormir em paz. Ame-o e deixe-o ser o que ele é”.
Pedir compreensão é um gesto de muito mais complexidade do que pedir um beijo.
A algumas pessoas é difícil entender isto. Confundem com dominação, com arrogância, com a prepotência de quem quer controle em tudo. A elas, a primeira lição antes de se pedir compreensão é saber qual o sentido do termo “duas pessoas andarem juntas olhando na mesma direção”. Porque é a lição primeira para se ter “confiança”. Quem ainda não aprendeu isto, tampouco conseguirá enxergar a diferença entre “gosto” e “sabor”.
Eu compreendo. E você, compreende que alguém pode compreender-lhe e ficar em silêncio ao seu lado, somente? Porque amar é arriscar até o fim. Intransitivamente.
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