O escritório de advocacia Gonçalves e Ventura- Advogados Associados, elaborou um estudo sobre os impactos legais decorrentes da pandemia do novo coronavírus no Brasil. O trabalho desenvolvido pelos advogados Samuel Gonçalves, Mariana Pereira e Rodrigo Montalvão é bastante amplo e traz informações para uma série de situações que as pessoas e as empresas estão enfrentando diante o quadro instalado com a instalação do vírus no País.
De acordo com o advogado Samuel Gonçalves a ideia foi justamente concentrar, nesse trabalho, um informativo de cunho jurídico-legal que possa trazer esclarecimentos sobre questões que envolvem, por exemplo, o ambiente de trabalho, contratos diversos, M&A (cláusulas chamadas MAC ou MAE e que tratam de eventos de mudanças relevantes e adversas que possam ocorrer entre assinatura e fechamento de uma operação”, cancelamentos de viagens, enfim, situações de relevância a serem observadas no âmbito jurídico.
De acordo com o advogado, em que pese a preocupação com a saúde e a vida, que é a prioridade número um, as pessoas e as empresas também não podem deixar de lado o tratamento de relações do cotidiano que este período de crise reserva.
Com exclusividade, o Portal CONTEXTO publica na íntegra o guia elaborado pelo escritório de advocacia Gonçalves e Ventura- Advogados Associados. Confira:
Introdução
O Coronavírus é uma família de vírus que causa infecções respiratórias. O novo agente foi descoberto na China em 31 de dezembro de 2019.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia global em decorrência de sua disseminação nos 5 continentes.
Além dos diversos cuidados que devemos ter para evitar a contaminação e dos efeitos econômicos, a situação influencia também impactos jurídicos no dia a dia das empresas, então, reunimos alguns dos maiores impactos e sugerimos possíveis medidas.
Recomendações OMS
ORIENTAÇÕES DA OMS PARA OS AMBIENTES DE TRABALHO
– Superfícies e objetos devem ser limpos e desinfetados com regularidade (mesas, cadeiras, telefones, maçanetas, teclados, catracas, elevadores…);
– Somente pessoas com sintomas ou que tenham tido contato com pessoas infectadas devem utilizar máscaras, sendo que as empresas não têm obrigação legal de fornecer máscaras a seus integrantes;
– Empregados devem informar as empresas sobre quaisquer viagens para países listados como de risco. Os empregados devem monitorar o surgimento de sintomas (tosse seca, dor de cabeça, coriza, dor de garganta, diarreia, problemas respiratórios, febre, cansaço) por 14 dias e, caso tenham sintomas, medir a própria temperatura duas vezes por dia;
– Não há recomendação específica para cancelamento de evento ou veto a viagens nacionais ou internacionais.
Trabalhista
CASOS SUSPEITOS
Colaboradores que apresentem sintomas devem buscar orientação médica. Consequentemente, deve ocorrer o aumento de faltas ao trabalho. Lembramos que o aparecimento de sintomas não implica necessariamente incapacidade para o trabalho. Políticas sobre ausências e faltas devem ser aplicada uniformemente (e talvez não precisem ser revistas pelas empresas).
ISOLAMENTO
Deve ser precedido de uma orientação médica ou de agente de vigilância sanitária e aplica- se ao caso suspeito ou confirmado, sendo caso de falta justificada ao trabalho.
CASOS CONFIRMADOS
Aos empregados e prestadores de serviços sintomáticos ou que tenham sido recomendados a permanecer em casa, mas que estejam aptos ao trabalho, se tecnicamente possível, deve ser dada a opção de trabalho no regime de home office. Àqueles sintomáticos que estejam incapacitados para o trabalho, deve-se seguir o regime de auxílio-doença (pagamento de salário por 15 dias e encaminhamento ao INSS).
HOME OFFICE
Caso o número de casos confirmados ou de isolamento aumente consideravelmente, o trabalho em home office pode se tornar uma opção mais ampla para tentar conter o aumento do contágio da doença. Neste caso, a empresa deve ajustar os custos desse tipo de serviço (infraestrutura, luz, internet…) mediante política interna ou aditivo contratual. Necessário observar que alterações prejudiciais aos contratos e às condições de trabalho são vedadas.
REDUÇÃO OU INTERRUPÇÃO DAS OPERAÇÕES
Diversas foram as empresas cujas atividades diminuíram ou foram paralisadas em virtude de quebra em suas cadeias produtivas, falta de insumos oriundo das China, ou por queda de demanda ou preservação da saúde do trabalhador.
Empresas nessas condições têm à sua disposição algumas ferramentas: (i) conceder férias coletivas aos colaboradores; (ii) suspender os contratos de trabalho pelo prazo de 2 a 5 meses para requalificação dos trabalhadores; ou ainda, (iii) reduzir as jornadas de trabalho e os salários, proporcionalmente. Lembramos que os ítens (i) e (ii) exigem negociação com o sindicato da categoria e observância à outros requisitos.

Contratos e M&A
Levando em consideração as medias que estão sendo adotadas ao redor do mundo, com o intuito de contenção do COVID-19, bem como os enormes impactos financeiros da pandemia, empresas podem se deparar com a impossibilidade de cumprimento de determinadas obrigações contratualmente estabelecidas. Nesse contexto, faz-se importante analisar as consequências jurídicas do inadimplemento, em especial a caracterização legal do evento que deu ensejo ao descumprimento, incluindo a possibilidade de configuração de hipótese de forma maior ou de onerosidade excessiva. Na realização de tal análise, além dos elementos casuísticos, deve-se considerar a assunção da obrigação inadimplida, o momento e o contexto da assunção da obrigação, o evento que ensejou o descumprimento e sua duração estimada, bem como as consequências financeiras e sociais para as partes envolvidas.
Em operação de M&A, especificamente, é ainda mais importante a avaliação cuidadosa das cláusulas chamadas MAC ou MAE e que tratam de eventos de mudanças relevantes e adversas que possam ocorrer entre assinatura e fechamento de uma operação. Para as operações que já foram assinadas, é de suma importância avaliar se a pandemia se encaixa na definição contratual acordada e, em caso afirmativo, analisar as repercussões daí decorrentes. Para operações em fase de negociação, importante avaliar com cuidado as cláusulas MAC/MAE considerando o atual momento global e as repercussões para as partes envolvidas, seja do ponto de vista de certeza da transação (deal certanty), seja do ponto de vista de disponibilidade de recursos (availability of funds) para fechamento. Por fim, importante lembrar que muitas operações de M&A acabam sendo denominadas em moeda estrangeira, o que poderia ensejar riscos cambiais relevantes diante da volatilidade de câmbio decorrente da instabilidade gerada por determinados fatores externos, tal como a pandemia de COVID- 19.
Insolvência
Os riscos de paralisação, atraso, aumento de custos, falta de insumos, descumprimento e até de rompimento de contratos também podem ocasionar problemas de liquidez que impactem negativamente a capacidade de pagamentos.
Além de medidas seletivas para administração do caixa, os interessados devem considerar buscar a renegociação privada e consensual das respectivas obrigações. Em situação mais agudas, pode ser oportuna e até mesmo necessária, a utilização de regimes de recuperação extrajudicial ou recuperação judicial como plataforma para viabilizar a reestruturação de dívidas, em ambiente processual organizado.
Relações de Consumo
É recomendado que o fornecedor disponibilize informações claras e precisas aos consumidores sobre possíveis impactos do COVID-19 em seus produtos e serviços.
A responsabilidade do fornecedor perante os consumidores é objetiva e solidária. Há algumas hipóteses de exclusão de responsabilidade previstas em lei. O caso fortuito ou força maior podem ser utilizados como argumento para a exclusão de responsabilidade do fornecedor, mas é extremamente importante que o fornecedor adote medidas mitigadoras caso haja a impossibilidade de prestação do serviço ou entrega do produto.
Em caso de cancelamento do produto ou serviço por solicitação do fornecedor, deverá haver restituição dos valores pagos pelo consumidor ou reagendamento do serviço ou entrega do produto. Em caso de cancelamento do produto ou serviço por solicitação do consumidor, o fornecedor deverá avaliar o caso concreto. Sempre que possível, deve-se tentar chegar a un denominador comum para se evitar o surgimento de reclamações em órgãos de defesa do consumidor ou mesmo ações judiciais. Caso não seja possível uma solução amigável, o fornecedor deverá avaliar a possibilidade de cobrança das multas contratuais previstas face à eventual inevitabilidade do cancelamento.
Importa salientar que há regras específicas que devem ser avaliadas conforme o produto ou serviço, como, por exemplo, transporte aéreo, transporte marítimo, compras online, etc.
Seguros
Diante de riscos de paralisação, atraso, aumento abrupto de custo, falta de insumos e até rompimento de contratos, podem surgir discussões sobre inadimplementos e revisões contratuais, bem como sobre o cabimento ou não das mais variadas coberturas securitárias.
As questões tendem a girar em torno de perdas derivadas de restrições às atividades por determinações das autoridades, escassez material ou pessoa, causas de término ou revisão contratual, tumultos ou comoções sociais e o enquadramento desses e demais pontos como elementos de risco contratual, desequilíbrio econômico-financeiro ou até força maior.
Planos de Saúde
É importante que as operadores de assistência à saúde, os estipulantes de contratos coletivos empresariais e os beneficiários estejam atentos à nova regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicada em 13 de março de 2020 (RN 453/20) e já em vigor, determinando a inclusão do exame de detecção do COVID-19 no rol de procedimentos e evento para os beneficiários de planos de saúde, de acordo com os protocolos e diretrizes do Ministério da Saúde. Com base na regulação, os agentes do mercado de saúde suplementar poderão definir as suas ações a fim de implementar os procedimentos necessários para lidar com a situação atual.
Vale destacar a possibilidade de atendimento remoto a fim de: (i) prestar informações sobre questões relacionadas ao COVID-19; (ii) informar sobre cuidados a serem adotados; e ainda avaliar a possibilidade de realização de consultas remotas em casos específicos, observando a regulamentação que trata de telemedicina.
É recomendável monitorar e mitigar o potencial impacto da cobertura assistencial relacionada ao COVID-19 no contrato de plano de saúde coletivo empresarial e sua respectiva sinistralidade. As contratantes deverão analisar medidas que possam ser adotadas para orientar os beneficiários quanto à utilização do plano de saúde diante das incertezas relacionadas ao desenvolvimento do COVID-19.
Considerações Finais
É essencial que as empresas continuem a monitorar os desdobramentos globais relacionados com a pandemia e a potencial necessidade de adotares medidas e ações complementares.
Recomendamos, sempre, buscar orientação legal quando diante de um caso concreto. Permaneceremos atentos ao desenrolar dos fatos e ficamos a postos par qualquer ajuda ou orientação.
Muito bem elaborada essa matéria,parabéns aos jovens advogados!!