“A política é a arte de impedir as pessoas de se intrometer naquilo que lhes diz respeito.” (Paul Valéry)
O ‘maniqueísmo’, na acepção contemporânea e em seu sentido figurado, designa uma tendência a simplificar relações complexas, reduzindo-as à uma oposição binária cujos termos são mutuamente exclusivos: o bem contra o mal. Essa dicotomia simplista traduz os conflitos humanos em um braço-de-ferro entre dois oponentes, e um deles tem que ganhar a partida.
O privilégio do Bem resulta no otimismo, a visão daqueles que pensam e afirmam que ‘tudo acontece por uma razão’, que ‘nada é por acaso’, que ‘no fim vai dar tudo certo’, e que alimenta-se de slogans do tipo yes, we can. Acreditamos que esse otimismo só demonstra aquilo que repete um velho provérbio já alertava: “Um otimista é uma pessoa desinformada”, ou, o que falou o livro sagrado judaico: “A marca do falso profeta é anunciar paz num mundo em que não há paz”.
A prevalência do Mal gera o pessimismo, uma disposição à nostalgia dos “velhos tempos”, saudade dos dias quando “tudo era bom, bonito e puro”. Com isso surge uma tendência de condenação irrevogável do hic et nunc, e a implicação de atitude reacionária, ideal de restauração da tradição ou algo do gênero. Digamos sem rodeios, uma realidade quando vista nessa perspectiva nostálgica e idílica, tende a exagerar nos aspectos “positivos” do passado, como se nesse passado só imperassem a paz, as certezas e a ausência de quaisquer contradições. Além de não ter existido um ‘passado’ assim essa visão nostálgica é um ótimo canteiro de fanatismos de todo tipo.
No Brasil hoje temos, de um lado, pessoas e instituições políticas que insistem estar no passado (e nem tão no passado assim…) os belos dias de esperanças para os necessitados e para o avanço econômico do pais. Além disso, insistem na invenção narrativa de um processo de impeachment que foi ‘golpe de Estado’, que a maior parte da sociedade é ‘vítima de um patriarcado que procura retomar o comando’, e que os políticos presos são ‘presos políticos’. Do outro lado, os defensores cegos (e talvez nem tão cegos assim…) de uma nova/velha posição política, que fingem não ouvir os disparates de algumas/muitas de suas ‘autoridades republicanas’ e que tentam justificar a atitude irresponsável para com o ambiente local e global sob a justificativa de que se trata de: ‘soberania’ – soberania para ser irresponsável e inconsequente?
Maniqueísmo crônico, agudo, e que impossibilita reconhecer o engodo da pensamento bipolar. Essa guerra que envolve as pessoas, as ideias e as instituições é política, com “p” minúsculo.
Daí queremos lembrar que: “Quem se julga dono da verdade absoluta, está pronto a fazer duas coisas com o outro: convertê-lo ou pôr fogo nele”. A questão é de razoabilidade. A política exige exercícios constantes de autoexame, que envolva também pessoas e instituições. E o que vemos?
Demonizações por todos os lados. Enfim, o óbvio pode vir na forma de um chamamento à reflexão, sugerida por Tomás de Kempis, monge alemão do século XIV: “Por pouco acusamos o próximo, e por muito nos escusamos; queremos vender muito caro e comprar bem barato; queremos que se faça justiça na casa do outro, e misericórdia e conivência na nossa casa; queremos que nossas palavras sejam tomadas em bom sentido, e somos melindrosos e exageradamente sensíveis às palavras do outro…”. É sempre bom lembrar que ouvir as pessoas é uma forma de falar com elas. Passou da hora de escutarmos mais e de forma generosa.
PEDRO FERNANDO SAHIUM é professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG); Formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Bernardo Sayão (1985); mestre em Educação pela PUC-GO (2011) e Doutor em Ciências da Religião (2018) concentração em Movimentos Sociais, também pela PUC-GO.
FREDERICO PACHECO DE SOUZA E SILVA é Graduado em história e filosofia (2000) pela New Jersey City University, EUA; mestrado em filosofia moral e política pela Sorbonne – Paris IV (2005).