Sentença abriu caminho que pode evitar prejuízos para construtoras e impedir rescisões unilaterais contratuais em casos de compra e venda de imóveis
Quando um comprador decide não levar adiante um contrato imobiliário, a primeira impressão pode levar à falsa sensação de que ele é o mais prejudicado no processo. O que poucos observam são os prejuízos das construtoras e loteadoras e os custos para desfazer um negócio.
Ao analisar um caso de rompimento contratual por parte de cliente que havia adquirido dois lotes em um residencial de Itumbiara (GO), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou em 25% o valor da retenção, ou seja, a parte do montante já pago que permanecerá com a empresa.
A autora da ação contra a empresa havia requerido que houvesse a devolução integral dos valores pagos ou, não sendo este o entendimento, que o percentual de retenção fosse fixado em apenas 10% dos valores pagos.
Na sentença, que havia sido proferida pelo juiz Carlos Henrique Loução, da Comarca de Itumbiara, ficou determinado que a empresa deveria restituir, em única parcela, os valores pagos pelos lotes sem qualquer retenção.
Após a sentença, houve recurso (apelação) por parte da empresa, defendida pelo Escritório Montalvão, Mariano & Freitas, e o processo foi levado ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, a fim de que fosse fixado o percentual de retenção em 25% dos valores efetivamente pagos.
O Tribunal julgou o recurso fixando a retenção em apenas 10% e determinando a restituição, em uma única parcela, das quantias efetivamente pagas pelos lotes; a construtora também não poderia cobrar da cliente a multa contratual prevista nem cobrar o valor da corretagem.
Para o Tribunal, o percentual de retenção em 10% seria o ideal, pois não representaria um valor irrisório e seria suficiente para trazer equilíbrio na rescisão contratual.
O Escritório Montalvão, Mariano & Freitas, então, ingressou com recurso no STJ (Recurso Especial) para garantir uma taxa de retenção maior e, assim, assegurar que a empresa não arcasse com os prejuízos causados pela decisão unilateral da cliente. O Tribunal entendeu que a compradora foi a única responsável pela decisão de fazer o distrato.
Assim, o STJ determinou que, “no caso de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda, e quando esta rescisão se dá por culpa do comprador do imóvel, o padrão-base da retenção é 25% sobre as parcelas pagas. Sendo que, para redução deste padrão pelo Tribunal devem ser mencionadas situações ou circunstâncias justificadoras”, explica o advogado Arinilson Gonçalves Mariano, sócio-fundador do escritório e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO.
No entendimento do STJ, dentro de um processo de comercialização imobiliária existem diversos custos financeiros e materiais naturais para as construtoras que vendem determinados imóveis, razão pela qual reformou uma decisão que havia sido tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). Este último havia decidido pela rescisão do contrato, porém, com algumas condições desvantajosas para a loteadora, o que levou a empresa a recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.
A decisão do STJ abre um importante caminho para outras situações semelhantes e poderá evitar que outras construtoras e loteadoras no Brasil sejam prejudicadas. “A decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás havia sido extremamente desfavorável à empresa. Mais do que isso, colocava sobre os ombros da construtora o peso da decisão da cliente. É uma vitória para o direito brasileiro. Em outras decisões, o STJ havia decidido que o valor de 25% é legal. A diferença nessa decisão específica é que fica definido esse parâmetro como padrão em todos os casos de distrato de contrato imobiliário em que a responsabilidade é do comprador”, declara o advogado Carlos Eduardo Muricy Montalvão, também sócio fundador do Escritório.
O relator do processo no STJ, ministro Marco Buzzi, apresentou em seu parecer jurisprudência que versa sobre o tema: “Contudo, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do Resp nº 1.723.519/SP, em 28/08/2019, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, reafirmou a orientação pela adoção de um padrão-base de cláusula penal – retenção de 25% dos valores pagos – nos casos de desistência imotivada pelo comprador de imóvel, em que o acórdão recorrido não menciona qualquer circunstância específica apta a justificar a redução do parâmetro jurisprudencial, isto é, aquém do percentual de 25%”.
Negócios imobiliários
Normalmente, os contratos de compra de imóveis possuem um percentual de retenção, que significa que, caso o acordo seja desfeito, uma porcentagem não é devolvida ao comprador para custear os gastos que as construtoras tiveram (publicidade, ocupação, manutenção, segurança e vigilância) e pelo tempo em que o imóvel precisou ficar parado, uma vez que este poderia ter sido repassado para outros clientes.
Em várias cidades goianas, ainda se tinha o entendimento de que 10% desses valores seriam suficientes para recompor os custos, o que não seria exatamente a realidade de muitas construtoras.
No processo que culminou no estabelecimento do valor de retenção em 25%, a defesa da autora havia alegado que desfez o negócio por causa do desemprego e a impossibilidade de continuar cumprindo com os custos de dois imóveis adquiridos. A responsável pela compra também não estava satisfeita com os valores do contrato e solicitou que o valor de retenção não ultrapassasse os 10%.
“A decisão do STJ, porém, anulou taxas que poderiam ser consideradas abusivas e manteve os 25% do percentual. Em geral, os juízes julgavam as ações dentro de um parâmetro que previa que a porcentagem deveria ficar entre 10% e 25%. Porém, a sentença do ministro Marco Buzzi abriu caminhos para uma nova perspectiva sobre o assunto”, reforça Arinilson Mariano.
A expectativa para os profissionais de Direito deste segmento é que, a partir dessa vitória e da decisão do STJ em fixar a retenção nos 25% dos valores efetivamente pagos, as empresas da área de construção tenham mais segurança em relação aos contratos firmados antes da vigência da Lei nº 13.786/2018 (Lei do Distrato) e, consequentemente, menos prejuízos.
Histórico
No dia 19 de maio de 2014, a cliente fez um compromisso de compra e venda de dois lotes em um residencial localizado no município de Itumbiara. Cada um desses bens custaria R$ 93.700,00 e seriam pagos separadamente com um sinal de R$ 4.700,00. O restante seria parcelado em 160 parcelas de R$ 556,25. A defesa da autora da ação contra a construtora alegou que a compradora havia cumprido com seus compromissos junto à empresa e pediu restituição de R$ 72.377,33 pela rescisão contratual.
Uma das alegações da defesa da compradora foi a de que o valor de retenção de 25% seria abusivo. “Observamos algumas informações que não condizem com a realidade dos fatos. A autora afirmou um suposto atraso nas obras que lhe teria causado prejuízos financeiros e impossibilidade de pagamento das parcelas, mas é preciso destacar que esse adiamento da entrega do empreendimento foi devido a questões terceiras, ficando a empresa isenta de responsabilidade”, destacou o advogado Carlos Eduardo Muricy Montalvão, um dos responsáveis pelo processo no Escritório Montalvão, Mariano & Freitas.
Defesa
Na sua contestação em favor da construtora, o escritório Mariano, Montalvão & Freitas defendeu o seguinte: “Soma-se a todos esses fatos supramencionados, a comprovação, conforme documentação anexa, de que o loteamento foi devidamente entregue na data de 07 de março de 2017, a partir de quando as unidades foram postas à disposição dos adquirentes. Vê-se que o autor ingressou com a presente demanda em 06 de dezembro de 2018, portanto, mais de um ano após seus lotes se encontrarem a seu dispor, dependendo unicamente de sua iniciativa, em observância à cláusula sétima do Contrato de Compromisso de Compra e Venda, conforme narrado pela própria autora em sua exordial”.