Com aglomerações proibidas devido à pandemia, o ato de pedir o voto em 2020 se tornou algo solitário
Marcos Vieira
A pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio dois atos fundamentais para uma campanha eleitoral: aglomerações e contato físico. No ano em que tivemos nossas vidas completamente modificadas, vivemos também uma eleição que entra para a história por aspectos alheios ao próprio processo.
Logo no início do pleito, um acordo entre partidos e a Justiça Eleitoral vetou qualquer ato de campanha que reunisse mais de 10 pessoas. Com isso, passeatas e comícios deixaram de ser opções para quem estava atrás do voto.
A eleição em Anápolis nesse primeiro turno fica marcada pelas carreatas. Liderando o comboio, na carroceria de uma caminhonete, lá estava o candidato a prefeito, solitário, acenando de longe para os eleitores. Outra opção – também solo, sem cabos eleitorais – foi a visita a estabelecimentos comerciais.
Em entrevistas, os candidatos foram unânimes em reconhecer que as restrições impostas pela pandemia mudaram o jeito de pedir o voto. “Foi uma eleição mais fria, de pouco contato”, comentou um político experiente, que ressaltou ainda as perdas para quem disputa as vagas para a Câmara Municipal.

O voto do candidato a vereador é conquistado geralmente com muita conversa. O eleitor quer proximidade com aquele que irá representá-lo no Legislativo porque entende que só assim conseguirá ver atendidas as demandas da sua região. Nesse sentido, o distanciamento obrigatório fez com que surgissem alternativas.
As reuniões com poucas pessoas, em residências, foi a primeira opção, fazendo com que o candidato tivesse que multiplicar sua atuação. Se antes três reuniões diárias com 50 pessoas bastavam, nessa campanha os postulantes a uma cadeira de vereador tiveram que participar de pelo menos 10 encontros em um único dia, de segunda a segunda, em um ritmo frenético e altamente desgastante.
Finanças
O novo modo de se fazer campanha também alterou os gastos dos candidatos. Dados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram pouca utilização dos recursos financeiros com contratação de pessoal, os chamados cabos eleitorais.
O candidato Antônio Gomide (PT), por exemplo, utilizou somente 8,6% do seu caixa para contratação de pessoal, o que dá R$ 26,9 mil. O prefeito Roberto Naves (PP), candidato à reeleição, utilizou 5,7% dos recursos para a mesma finalidade.
Esse tipo de despesa nem aparece como a principal para Márcio Corrêa (MDB), Delegado Federal Humberto (PSD) e João Gomes (PSDB). Exceção apenas para o candidato Valeriano Abreu (PSL), cuja maior despesa vem da contratação de pessoas: 39,3% do total.
Reflexos
Uma eleição com restrições não representa um processo eleitoral apático. As pessoas se envolveram com o processo – tradicionalmente na reta final – mesmo à distância, mais interessadas em propostas do que baixarias que só afugentam o eleitor sério.
Para o candidato resta a lição de que é preciso fazer um planejamento anterior ao processo eleitoral quando se pensa em entrar na vida pública. Ser minimamente conhecido antes do pleito custa menos e facilita um pouco a campanha.
Ao eleitor, fica a mensagem que o voto é uma escolha para os próximos quatro anos e que mesmo à distância é possível buscar informações sobre propostas e perfis daqueles que querem ditar os rumos da cidade. Trata-se, para usar uma palavra bem comum nessa época, de adaptação aos novos tempos.
Possível influência na abstenção
Um monitoramento do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral mostra que de 41 eleições realizadas neste ano em diferentes países, 26 (63% do total) registraram aumento na abstenção na comparação com pleitos anteriores.
Como o voto é obrigatório no Brasil, cientistas políticos não preveem um patamar tão alto de abstenção por aqui. Acreditam, porém, que deve haver aumento na comparação com a disputa eleitoral de 2016, quando mais de 25 milhões de eleitores não compareceram às urnas no primeiro turno (17,6% do total de brasileiros aptos a votar) — o que pode impactar resultados nas disputas mais apertadas.
Em Anápolis, na eleição de 2016, 19,11% deixaram de comparecer às urnas no primeiro turno. Já no segundo turno, a abstenção subiu um pouco mais: 23,38% do total. Essa média histórica na casa dos 20% é o esperado também para esse ano, embora a pandemia possa afugentar eleitores mais velhos e de grupos de risco.