“Elas podem sumir. Então, pinto ou desenho assim que as imagens aparecem. Pode ser até na parede”, conta o artista que, até a próxima sexta-feira, 5, apresenta seus trabalhos na Galeria de Artes Antônio Sibasolly, na mostra “No escuro, eu grito”.
A mostra reúne 19 trabalhos e, segundo o curador Paulo Henrique Silva, a tarefa mais complexa que encontrou foi justamente a de selecioná-los em meio aos mais de 400 desenhos e pinturas que lhe foram apresentados por Chico Silva.
“Eu tinha conhecimento de que ele produzia compulsivamente, mas impressionou-me a quantidade quando fui à sua casa para escolher o que deveria compor a exposição”, conta.
Segundo Paulo Henrique, a mostra de Chico simultânea às de Clarice Gonçalves e Estevão Parreiras, selecionados no edital do Programa de exposições da Galeria para este ano, se deve ao fato de que, para completar seu projeto curatorial, queria um anapolino cujos trabalhos pudessem dialogar com os dos outros dois artistas.
“Com Estevão o diálogo se dá no uso do suporte utilizado – o papel – e com Clarice a aproximação acontece na representação do corpo marginalizado, no caso dela, o da mulher; no dele, o de homens e mulheres pretas”, destaca o curador.
O título da exposição, explica Paulo Henrique, é uma alusão à própria trajetória pessoal de Chico. Embora tenha crescido sem saber o que era arte, no sentido formal, e tenha vivido e ainda viva sem condições financeiras de acesso a bens que facilitariam sua produção, o artista jamais se deixou silenciar. Nem quando apanhava da mãe para parar de desenhar e nem agora quando lhe falta dinheiro para comprar bons papéis, tintas e pincéis.
“As adversidades não o impedem de expressar o que sente, de dar voz a tantos que também vivem à margem. Daí a força política e social que emana da produção do Chico”, destaca.
Arte sem vínculos acadêmicos
Anapolino há 31 anos, desde que veio do interior do Maranhão, Chico é um expoente da arte naif, termo que define aqueles artistas que não passaram por nenhum tipo de formação acadêmica ou sistemática, cuja expressão artística flui naturalmente, como ocorre com as crianças, por exemplo.
Chico Silva se enquadra com precisão a este conceito. Com simplicidade, voz calma e mansa, Chico diz que não tinha nenhum conhecimento ou noção sobre linguagens artísticas. Sentia vontade de desenhar e o fazia.
Uma espécie de compulsão por desenhar o acompanha desde a infância. Aos oito anos, de acordo com que a memória lhe permite recordar, desenhava nas paredes de pau-a-pique de sua casa ou no “chão liso e duro” que era o assoalho.
Na escola, enquanto os colegas acompanhavam as explicações do professor e copiavam as lições do quadro negro no caderno, ele os usava para desenhar, sentado no fundo da sala de aula.
Como resultado desta conduta vinham as notas vermelhas e, em consequência, os castigos de sua mãe, que lhe prendia o pescoço o pé enquanto o surrava e o advertia que “aquelas porcarias de desenho não dariam em nada”.
Sem nenhum resquício de raiva ou ressentimento ele conta sobre as surras e, sorrindo, diz que ele era igual a cachorro que apanhava para aprender a não comer os ovos nos ninhos das galinhas. Ficava uns dias quieto, mas voltava a fazer tudo de novo. “A vontade de desenhar sempre esteve nas minhas veias”, explica.
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Por isso, aos 19 anos, deu adeus à mãe que, contrariada o viu partir de Presidente Dutra, sem saber direito o que iria fazer da vida.
Segundo Chico, ao chegar a Anápolis arrumou emprego para ter condições de sobreviver, mas continuou fazendo seus desenhos. Conheceu o trabalho do artista Isaac Alarcão e ficou ainda mais encantado pelo universo da pintura. Soube que era possível fazer da arte profissão. Porém, tímido que era, não se arriscou, fazia seus desenhos para si mesmo.
“Eu sentia muita vergonha de mostrar meus trabalhos”,
relata Chico
Muitos anos se passaram até Chico tomar coragem e submeter o que produzia a avaliação de artistas da cidade. Ele conta que levou seus desenhos e pinturas à Associação Cultural e Artística de Anápolis (Acaa) e lá a artista Adelaide Fontoura se entusiasmou com o que viu. Ela fotografou seus trabalhos para mostrar para outros artistas e o instigou a se inscrever no Salão Anapolino de Arte e em outros eventos do gênero.
Aos 51 anos, com três filhos, Chico diz que, finalmente, conseguiu entender que o trabalho do artista só tem valor enquanto arte quando é visto pelas outras pessoas, quando é possível estabelecer um diálogo que contribua, de alguma forma, para construir uma sociedade um pouco melhor por meio do debate de suas mazelas.
Serviço
Exposição “No escuro, eu grito”
Data: até 5 de novembro
Local: Galeria Antônio Sibasolly – Praça Bom Jesus – Centro
Funcionamento: segunda a sexta, das 8h às 18h, com intervalo das 12h às 14h.
Entrada gratuita
O uso de máscara é obrigatório.