Especialistas alertam para os perigos do consumo sem prescrição e os riscos da dependência
O consumo de medicamentos controlados para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e da depressão tem crescido no Brasil, tanto entre pessoas com diagnóstico clínico quanto entre indivíduos saudáveis em busca de foco, produtividade e até emagrecimento. Essa tendência acende o alerta entre especialistas, que apontam os riscos do uso prolongado e indiscriminado desses fármacos, sobretudo sem acompanhamento médico.
Entre os medicamentos mais utilizados estão o metilfenidato (popularmente conhecido como Ritalina), o cloridrato de sertralina (um dos antidepressivos mais prescritos no país) e o dimesilato de lisdexanfetamina, nome comercial Venvanse — este último com crescente uso entre estudantes, empresários e concurseiros.
Foco, produtividade e dependência
Indicado principalmente para o TDAH, o metilfenidato atua estimulando o sistema nervoso central, melhorando o foco e a concentração. Já a sertralina, da classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), é recomendada para casos de depressão e transtornos de ansiedade. Quando utilizados sob prescrição médica, esses medicamentos oferecem benefícios terapêuticos importantes. Porém, o uso indevido pode provocar efeitos adversos como insônia, ansiedade extrema, taquicardia, náuseas, disfunção sexual e, principalmente, dependência química.
O caso mais alarmante é o do Venvanse, cuja ação estimulante tem levado jovens e adultos saudáveis a consumi-lo como um “impulsionador de desempenho”. “Eu me sinto a Mulher Maravilha. Depois de uns trinta minutos, me dá uma euforia, alegria, vontade de fazer tudo. Minha autoconfiança melhora, consigo me concentrar nas atividades, tenho disposição e energia para os estudos. Meu rendimento e produtividade aumentam. Posso fazer várias coisas ao mesmo tempo e tenho o foco e a concentração como se estivesse fazendo apenas uma. Sou uma pessoa mais legal quando eu tomo também”, relata Thaina Alves, 25 anos, que usou o medicamento por dois anos, em doses que variavam entre 30 e 70 mg. Após um tempo, ela começou a apresentar insônia, dor de cabeça e sintomas de abstinência.
A neurologista Cristiana Góes, do Hospital Universitário da UFRJ, compara o efeito da substância ao da cocaína.
“As pessoas estão tomando para ficar acordadas estudando ou como recreação, às vezes misturando com álcool. Isso é gravíssimo”, alerta. Segundo ela, os riscos incluem hipertensão, arritmias, ataques cardíacos e até surtos psicóticos, especialmente em quem tem predisposição a transtornos mentais. “O uso prolongado pode levar ainda à depressão, pois você está estimulando um neurotransmissor a te dar energia, e quando há essa interrupção abrupta dá um reboot”, completa.
Uso ilegal e escassez no mercado
Embora a Anvisa autorize o uso do Venvanse apenas para TDAH ou Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), a venda sem receita tem crescido por meio de redes sociais e grupos clandestinos, provocando escassez do medicamento nas farmácias. A psiquiatra Camila Magalhães, fundadora do centro Caliandra Saúde Mental, afirma que o problema atinge principalmente jovens e empresários: “É preocupante ver famílias desesperadas porque o filho não quer sair da cama. Eles estão adquirindo pela internet, sem controle algum.”
Outro uso irregular é como supressor de apetite, já que o medicamento provoca sensação de alerta, reduzindo drasticamente a fome. A gerente comercial Bruna Rodrigues, 40 anos, perdeu cinco quilos em três meses: “Eu não conseguia fazer dieta intermitente, porque eu sentia muita fome pela manhã. Depois que passei a usá-lo, realmente tira o apetite. Eu me forçava a comer para não ficar fraca, porque eu não tinha fome nenhuma”, conta. “Ao tomar o comprimido eu me sentia bastante produtiva também. Fazia várias coisas ao mesmo tempo como curso de inglês, academia, trabalhava mais de oito horas por dia e não me sentia cansada. É milagroso. Eu voltaria a tomar ele com certeza.”
Alerta e prevenção
O uso prolongado e descontrolado desses medicamentos pode gerar sintomas de dependência como compulsão, alterações de humor, isolamento social, tremores e crises de ansiedade. O tratamento exige acompanhamento médico, suporte psicológico e, em alguns casos, internação para desintoxicação. Terapias comportamentais e grupos de apoio são essenciais para a recuperação.
Especialistas reforçam que tanto o metilfenidato quanto a sertralina e a lisdexanfetamina devem ser usados apenas com prescrição médica e acompanhamento regular. A banalização do uso de medicamentos tarja preta, muitas vezes adquiridos de forma ilegal, representa uma grave ameaça à saúde pública. É urgente ampliar as campanhas de conscientização sobre os riscos do uso recreativo e a automedicação, especialmente entre os mais jovens.
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