Segundo o Unicef, o Brasil ocupa a quarta colocação na ocorrência de casamentos infantis, perdendo apenas para Índia, Bangladesh e Nigéria.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados realizou audiência pública nesta quinta-feira (22) para discutir a ocorrência de casamentos infantis no Brasil. “De cada quatro meninas no Brasil, uma ainda se casa antes de completar 18 anos”, afirma a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), que pediu a realização do debate.
O Código Civil brasileiro, no entanto, só permite oficializar casamentos entre homens e mulheres acima de 18 anos, ou 16 anos, mediante autorização dos pais.
Pior para meninas
Embora tanto meninos quanto meninas vivenciem casamentos infantis, Sâmia ressalta que as meninas são desproporcionalmente mais afetadas por essa prática. “Esse tipo de união precisa ser compreendido fundamentalmente no contexto das diferenças de poder e das escolhas restritas disponíveis para as meninas”, afirma a deputada.
Entre as principais consequências do casamento nessa faixa etária, a parlamentar destaca a gravidez na adolescência, o abandono escolar, a falta de profissionalização e a exclusão do mercado de trabalho.
Ranking da vergonha
Em números absolutos, o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em casamentos infantis, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Perde apenas para Índia, Bangladesh e Nigéria. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o casamento infantil é a união formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha menos de 18 anos.
No caso brasileiro, o casamento infantil, ao contrário de alguns países africanos e asiáticos, não tem aspectos culturais e ritualísticos, mas consensuais, ou seja, seria uma opção de adolescentes, ainda que motivada por uma série de fatores, como por exemplo a pobreza.
Em 2016, o número de casamentos ou uniões no Brasil foi de 1,09 milhão. Desse total, 137.973 incluíram pessoas com até 19 anos, sendo 28.379 meninos contra 109.594 meninas.
Abandono escolar
Segundo a promotora de Justiça do Piauí Flávia Gomes Cordeiro, entre as principais consequências do casamento infantil para as meninas estão o aumento do serviço doméstico, o cuidado parental exercido predominantemente por elas, a falta de profissionalização, a exclusão do mercado de trabalho, o atraso ou mesmo o abandono escolar e a restrição da mobilidade e da liberdade.
Entre os encaminhamentos propostos pela promotora, está a mudança na legislação brasileira, que hoje permite o casamento aos 16 anos, com a autorização dos pais (Código Civil). Flávia Gomes Cordeiro defende que apenas maiores de idade possam se casar.
Ela também propõe o fortalecimento de políticas públicas que garantam o acesso e a permanência na escola, especialmente de meninas, público mais suscetível; e a intensificação das estratégias escolares de busca ativa de crianças e adolescentes que vivenciam situações de abuso e casamento infantil.
Maridos mais velhos
A pesquisa “Ela vai no meu barco”, de 2015, feita pelo Instituto Promundo em parceria com a Universidade Federal do Pará e a Plan International, abordou o casamento na infância e na adolescência no Brasil.
O estudo destaca que o tema não é parte constitutivo das agendas de pesquisa e formulação de políticas públicas no Brasil. O trabalho também aponta que frequentemente as meninas são as únicas cuidadoras dos filhos e as principais responsáveis pelo trabalho doméstico; e os maridos são em média nove anos mais velhos do que elas.
Domínio e consequências
Entre os fatores que levam ao casamento, estão o desejo, muitas vezes de um membro da família, de proteger a reputação de uma menina que engravidou; o desejo de controlar a sexualidade das meninas; a vontade de obter segurança; e o desejo dos maridos de se casar com meninas mais jovens, consideradas mais atraentes e de mais fácil controle.
Já entre as consequências estão a gravidez e problemas de saúde maternal, neonatal e infantil; atrasos e desafios educacionais; limitações à mobilidade e às redes sociais das meninas; exposição à violência por parte do parceiro, entre outras.
De acordo com a representante da Plan International Brasil Nicole Campos, o casamento infantil está presente em todo o Brasil. “Está presente em áreas rurais e urbanas. Geralmente, a gente tem uma visão muito estereotipada do casamento infantil. Porque ele não é ritualizado, porque é informal, parece que está mais presente nas áreas rurais, mas também está presente nas áreas urbanas”, disse.
Entre as recomendações que ela fez, estão alterar a legislação; promover a conscientização pública a respeito da legislação e das consequências do casamento na infância e na adolescência; priorizar uma educação sexual abrangente nos ambientes escolares; e oferecer serviços de saúde para a juventude. (Fonte: Agência Câmara dos Deputados)